Vida de escritor – da
importância de um boteco
Por influência de um amigo
(que nunca vi ao vivo, embora more muito perto de mim) passei a assinar o
boletim diário do The Write Practice, que traz dicas bacanas para a vida de
escritores. Não leio todos os dias o email que é em geral curto e provocativo,
mas guardo as dicas que considero bom substrato para reflexões. Um desses
textos (que fala sobre a importância da colaboração entre escritores,
historicamente e em termos práticos) eu repassei para três amigos da escrita
com quem troco impressões com certa frequência e isso deu início a uma boa
conversa por email (coisa que está ficando rara em tempos de facebook message e
Whatsapp) sobre a dificuldade que existe para se encontrar um espaço de
discussão honesta da produção textual, coisa tão defícil e ao mesmo tempo
decisiva para a vida de escritore.
O mais comum (e disso há
exemplos espalhados por todas as redes sociais e ambientes reais imagináveis) é
a troca de gentilezas interesseiras ou de espinhos, no geral baseados na
relação entre as pessoas e não na reação delas ao texto “discutido”. O artigo
fala justamente da importância das trocas entre artistas (não que qualquer dos
grandes que tenha se valido dessas interações nunca tenha se enredado em
atritos de vaidade ou bajulações, é sempre bom lembrar) e do quanto a
mesquinhez nossa de cada dia só atrapalha a nós mesmos. E-mail ia e-mail vinha
e acabamos concluindo que tínhamos
formado um pequeno grupo (realmente pequeno, 4 pessoas, na verdade) que
consegue, com certa regularidade, efetuar trocas positivas como acontecia antes
em bares e cafés de diferentes partes do mundo. De certo modo, temos nosso
“boteco” para falar de experiências com a escrita, partilhar informações sobre
concursos, editoras, formas de publicação e mesmo para trocar impressões sobre
os textos ainda fase de maturação e isso é de um valor imenso.
Aliás, no final desse
email que motivou nosso papo, havia o link-convite para uma espécie de rede
para leitores, que à primeira vista pode lembrar um pouco o skoob ou goodreads,
mas tem algumas diferenças. No Story Cartel, autores oferecem seus e-books por
tempo limitado em troca de resenhas honestas (ao menos essa é a descrição que
consta). Um modelo de divulgação
interessante se considerarmos que o volume de resenhas nas lojas online é um
dos itens que o algoritmo destas lojas considera para posicionamento dos
e-books nas pesquisas ordenadas por relevância. E o fato da resenha não ser
somente elogiosa pode conferir inclusive mais credibilidade ao autor,
especialmente depois de alguns escândalos que rolaram sobre resenhas “fake”,
então, tanto melhor que a avaliação seja realista, apontando méritos mas também
os defeitos do texto (inclusive para que o autor não se arrogue nenhum pedestal
e possa olhar as críticas como ferramenta de aprendizado). Claro que o site e,
por consequência os livros, são todos em inglês, não temos um correlato em
língua portuguesa (ao menos não encontrei nenhum). Mais tarde, fazendo algumas
pesquisas complementares para esse post, achei esse link, que lista outras
possibilidades de interação virtual entre autores e também autores e leitores
com o título sugestivo de “recriando a geração perdida”.
Se dermos uma olhadinha no
volume de novos autores que bombardeiam redes sociais com divulgações e apelos
à valorização dos iniciantes e compararmos com o raquítico número de entes
dipostos a criticar e ser criticado sem transformar uma conversa em batalha de
ofensas talvez fiquemos com uma sensação de dúvida ou frustração.
Iniciativas como o
crowdfunding coletivo do bookstorming são um pequeno exemplo do potencial da
colaboração entre criaturas com objetivos em comum. Assim como o espaço e as
regras do Entrecontos são um modelo interessante para permitir a crítica
potencialmente honesta dos textos (postados com pseudônimo). Percorrendo minha
memória não me ocorrem outros exemplos para comentar. Quero crer, no entanto, que há muitas outras
pequenas iniciativas bacanas por aí, e adoraria que os eventuais leitores desse
espaço pudessem nos contar exemplos que contrariem a realidade um pouco azeda
que mencionei. Mas não vale falar de cícrulos cujo único objetivo é tecer loas
aos amigos, sem nenhuma reflexão crítica sobre o texto lido, no esquema “me
curte que eu te curto”. Falo de oportunidades de crítica verdadeira, que vá
além do “adorei sua história” e diga ao escritor e aos demais leitores o que
conquista e o que repele no texto. E então, quem diz mais?
Maurem
Kayna é engenheira florestal, baila flamenco e se interessa por literatura
desde criança. Depois de publicações em coletâneas, revistas e portais de
literatura na web resolveu apostar na publicação em e-book e começou a se
interessar por tudo que orbita o tema, por acreditar que essa forma de
publicação pode ser uma das chances de aumentar o número de leitores no Brasil.
Autora da coletânea de contos Pedaços de Possibilidade, viabilizado pela
iniciativa da Simplíssimo. Sites: mauremkayna@uol.com.br
- mauremkayna.com/ - twitter.com/mauremk
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