A VIDA DO LIVREIRO A. J.
FIKRY
E eu gosto de conversar
sobre livros com pessoas que gostam de conversar sobre livros. Gosto do papel.
Gosto da textura e gosto de sentir um livro no bolso. Gosto do cheiro de livro
novo também.
Um lugar não é um lugar
sem uma livraria, afirma Lambiase, um dos personagens de A Vida do Livreiro A.
J. Fikry, escrito por Gabrielle Zevin, e que também é o responsável pelo
pensamento que serve de epígrafe para esta resenha.
Resenha é palavra precária
para resumir o fulgor que acompanha alguns livros. Infelizmente, há momentos
que as palavras não se mostram suficientes para expressar reflexões,
sentimentos, ideias e esperanças – principalmente a esperança de que existe um
mundo onde a literatura ocupa um lugar de destaque. Na prática, para aumentar o
desassossego do cadáver de Jorge Luis Borges, o paraíso não é uma biblioteca.
Também não é uma livraria.
A. J. Fikry, de origem
indiana (ou similar), casado com Nicole (Nic) Evans, estava estudando para se tornar
PhD em Literatura Americana. Ela também era aluna e o seu PhD era sobre
poetisas do século XX. Um dia, em 1999, os dois decidem abandonar a carreira
acadêmica e abrir a Island Books, localizada em Alice Island, em Rhode Island.
No meio desse mar, ou melhor, no meio de todas essas ilhas, surge o horror: Nic
falece em um acidente automobilístico.
O livreiro e sua solidão –
poderia ser um bom título para alguma narrativa depressiva, dessas que fazem a
alegria dos leitores que preferem transferir a própria tristeza para os
personagens dos livros.Não é o caso. Hallellujah! Livros são sinônimos de
alegria, mesmo quando contam histórias que terminam mal.
Três fatos desiguais
movimentam a narrativa. Um exemplar raro de Tamerlane and other poems, escrito
por Edgar Allan Poe, é roubado. Uma criança de dois anos, Maya, é abandonada
dentro da Island Books. A livraria recebe a visita de Amelia (Amy) Loman,
representante da Pterodactyl Press. O resto é consequência.
Fikry tem opiniões fortes
sobre os livros que vende. Não gosto de pós-modernismo, ambientações
pós-apocalípticas, narradores post mortem nem de realismo mágico. Não costumo
gostar de artimanhas nos formatos, fontes múltiplas, imagens desnecessárias –
basicamente, truques de qualquer tipo. Acho ficção sobre o holocausto ou
qualquer outra grande tragédia mundial de mau gosto: apenas não ficção, por
favor. Não gosto de mistura de gêneros, tipo romance literário de detetive ou
fantasia literária. Literatura é literatura, gênero é gênero, misturar as coisas
não costuma dar muito certo. Não gosto de livros infantis, principalmente os
com órfãos, e prefiro não entulhar minhas prateleiras com livros juvenis. Não
gosto de nada com mais de quatrocentas páginas e menos de cento e cinquenta.
Sinto repulsa por romances escritos por ghost-writers para estrelas de reality
show, livros de imagens de celebridades, memórias de esportistas, edições
pós-filme, livro-brinquedo e, suponho que nem preciso dizer, vampiros. Não
costumo estocar lançamentos, chick lit, poesia e traduções. Preferiria não ter
que estocar séries, mas minha conta bancária me obriga. Você não precisa me
contar da ‘próxima grande série’ até que ela esteja abrigada na lista de
best-sellers do New York Times. E, o mais importante, (...), não tolero memórias
curtinhas de velhinhos cujas esposinhas morreram de câncer. Não importa quão
bem escritas a representante de vendas diga que são. Não importa quantas cópias
prometa vender no Dia das Mães.
Apesar desse discurso
ranzinza, A. J. Fikry é um personagem simpático. Tanto que adota Maya, evita se
envolver com Ismay (irmã de Nicole) e, depois de algumas trapalhadas, consegue
conquistar Amelia – dando um rumo mais divertido à sua vida de pai solteiro. Em
cada uma dessas etapas emocionais, que vão escorrendo rapidamente pelo tempo,
conta com a amizade do escritor Daniel Parish e do policial Lambiase.
Narrado em terceira pessoa,
a voz de Finkry aparece em uma das melhores partes do livro. Trechos de seu
testamento literário foram editados no início de cada capítulo. É a forma com
que ele declara o amor que nutre por Maya e pela literatura.
A Vida do Livreiro A. J.
Fikry é um livro que celebra os livros. Em cada uma de suas páginas há
referências sobre escritores, personagens, cenas literárias. Ao leitor cabe
desfrutar dessa generosidade metalinguística como se fosse uma conversa entre
amigos.
Raul
J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008),
publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no
Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional,
segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias
como se fossem uvas”.
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