Anônimos e belos! A poesia detrás das janelas. (Publicação V - BERNARDINO GUIMARÃES) [Ivana Schäfer]
Escritor, cronista e jornalista independente. Dedica-se há vários anos ao jornalismo, destacando a divulgação de conteúdos referentes ao meio ambiente e temas científicos. Foi fundador e editor da revista ''Tribuna da Natureza'' e colaborador regular no diário, já desaparecido, ''O Comércio do Porto''.
Nos anos 80, foi fundador e locutor de uma rádio local na cidade do Porto e colaborou, entre os anos de 2003 à 2011, com o ''Jornal de Notícias'' e Radiodifusão Portuguesa— Antena 1, onde publicava crônicas centradas nos temas relativos ao meio ambiente.
Hoje é consultor editorial do programa televisivo ''Biosfera'' -RTP2- e mantém intensa atividade em conferências e ações de educação ambiental. Tem sido presença regular em programas de televisão e rádio, onde os debates giram em torno da temática ambiental e da conservação da natureza. Também é autor e apresentador do programa diário "Entardeceres" na Rádio Manobras, Porto.
É autor dos livros: "Ambiente — o Falso consenso", publicado em 2004 e "O Nome do Mundo é uma Janela" publicado em 2014. Interessado em Literatura, possui diversas colaborações, em prosa e poesia, publicadas em revistas e sites literários.
Grande parte dos seus textos jornalísticos, e outros, poderão ser lidos no blogue "Peregrino".
O crepúsculo é um adeus. As cores despedem-se e peço-te a mão, o braço, o cigarro, os lábios que dão sentido às escadarias onde nos sentamos.
Dizes: o teu coração é um cavalo. Digo: os teus olhos são pérolas incendiadas. Fazem-se nuvens lá no alto, tudo é simples e triste. Uma janela aberta tritura luzes e borboletas, somos duas sombras com mar e piano ao fundo. Dizes: as tuas mãos são como fogueiras pequenas. Digo: o teu sorriso é o meu berço e a minha estrada. O mar ocultava o lume dos peixes, praias afastavam-se do outono, lentas, somos dois corpos dormindo à mercê das horas.
O mundo é tão estranho, disseste, e passava por ti a roda das horas. A vida é a busca do conhecimento, disse eu abstracto e tu: a vida é a procura de encantamento. Quisera eu entender que talvez dissemos a mesma coisa, na mesma hora. Pareceu-me haver uma irredutível distância e passei as mãos no teu cabelo. A luz abaulava-se, caía, de azul em azul amolecendo o horizonte. Animal ferido, disseste de mim. Sorrimos juntos, já invadidos de cores anoitecidas. Disse-te que a dor nada ensina, que a noite maior é o esquecimento. Riste e brilhando fundo, em contra-luz, como se me acendesses.
Amar-te. Viver o amor mais frágil do mundo. Frágil de amarras, de lonjuras, de demoras, de horas. Frágil como o musgo no muro, a sombra ao sol, a árvore exposta ao grande fogo. E no entanto amar-te. Como se fosse habitual. Amar em ti tudo o que me falta, todos os dias, em todas as ruas, amar-te como ama um coração inteiro, doente, fiel e desesperadamente ansioso. Amar-te para não me separar do teu sorriso. Amar-te como se fosse uma cidade que espera a madrugada, um porto onde os navios partem e tudo se separa e move e nada tem fim.
Amar-te como se fora uma ave, um pequeno coração vibrante, uma rua desabitada, um voo súbito. Viver o amor mais vasto do mundo. Reescrever a deriva dos continentes, tocar os teus cabelos de tão distante, de tão aqui. Puxando para ti o tempo como se pudesse movê-lo, abrir todas as janelas e ver-te, perder-te em cada esquina, encontrar-te nas flores mais remotas.
Amar-te contra a morte, contra o esquecimento, contra a vida. Amar-te para não ser senão o que sou contigo.
Desmesura e fogo. Não sei amar-te de outra forma. Desajeitado, tropeçando nos dias, desamparado e ébrio, rasgado no arame farpado da coragem, buscando o infinito nos teus olhos. Viver o amor assim porque tudo transborda e nada me chega se não te amar.
Escrevo amar-te e sou ainda o rapazinho tímido com sonhos impossíveis e o coração nas estrelas. E amava-te já sem saber quem eras. O mundo nunca me bastou, olhava-o de fora e procurava qualquer coisa maior nas coisas. Amar-te é viver o amor mais antigo do mundo. Ser fiel ao mais fundo de mim, pertencer-me e já não ser eu. Como a madrugada é eterna e nova.
Hoje não posso fingir nem esconder. Que te amo. E que amar-te é um incêndio, uma batalha.
Amar-te. Amar-te para não me separar das tuas mãos, do teu segredo, da sagrada fórmula das noites, dos teus cálidos passos de ave bailarina, da escrita ritual dos astros, da luz da tua pele que expulsa de mim a amargura e o medo.
Amar-te.
Há precisamente cem anos, inventaram a Guerra mundial e as trincheiras e milhões de mortes inauguraram tecnologias e destruição massificada. Os meus gestos incorporam esse admirável mundo novo de medo e de consumo, de eventos festivos e de morte assistida em directo.
Tudo inventado. Olho com a flor da pele as imagens globais. Os bombardeamentos, o terror campeão de audiências, tão longe que se ouve aqui, suscitam algumas lágrimas e milhões de «selfies» com caras sorridentes, plenas de dentes e de quotidiano. Para isto, este ver, este não querer, devem já ter inventado a fuga. Algures cifrada nas palavras mais acesas, mais escondidas. Neste tempo.
De tanto fugir, comprometeu-se. Arqueólogo de si próprio, desenterrou-se, escreveu-se nas paredes íntimas com a mesma raiva e a mesma tinta.
E seguiu-se a si assim mesmo, prolixo:
O meu tempo, prossegue em meta texto, estende-se em repouso, sem que assim mesmo pare.
Olhai: o meu edifício de fugas, o meu exército de medos; tudo isso para quê?
Portanto existo— escolho lentamente entre saudade e aventura. Deixo ir em mar alto o que não entendo e crio— originais, não impressos, gaveta dos tímidos, queixo-me em sal e súplicas: da necessidade de mudar de rosto e escrever isso, diário.
Epitáfio para um bom rapaz que se foi, titulou.
Abrindo o envelope azul, as imagens sucedem-se. Bem sei que no domingo a vida é a preto e branco. Que a ternura se vende e se nega.
Os poemas, acima, foram uma escolha minha e se alguém tem algum poema deste poeta e não está na lista, nos mande e terei o prazer de acrescentar. Espero que tenham gostado desta linda viagem nos versos do poeta BERNARDINO GUIMARÃES.
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