AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (18) [Rubens Jardim]
Visita
No estranho caminho de Santiago
Nas veredas
O rosário de jade sobre a Teogonia
Tudo existe porque tem um nome
Declaração
Abúlica, nevrálgica, efêmera
Visita
Fincado nos píncaros
Memórias de cordilheiras
Incorruptível
no secular vício da carniça
Ruídos esganiçados não te assustam
Excluído do olhar humano
IPSIS
A palavra é ainda
a mais sublime invenção.
Mas tem tanta coisa linda
que escapa à nomeação!
HIMALAIAS
Mulheres fortes, centradas,
essas mulheres maduras
eternamente animadas
dum fogo que rodopia
pra além dos filhos criados,
dos romances resolvidos,
peagadês concluidos,
himalaias escalados...
E esse olhar sem pensamentos,
o caminho aberto em frente,
com tanta promessa linda
de mais himalaia ainda.
Energia tão valente
que nem sabe o quanto é.
Essas mulheres fortes
que sabem cair de pé,
que sabem fazer os cortes
nos momentos mais precisos
de repente tão suaves
desmanchando-se em sorrisos...
Mulheres firmes, inteiras,
que se preocupam com o mundo,
bem além dos próprios netos.
Que sabem da dor das aves
cobertas de óleo nas praias.
Da mudança necessária
nos hábitos de consumo.
Da importância nenhuma
dos elogios ou vaias.
Da tragédia dos sem-teto,
dos problemas de afeto
das irmãs e irmãos mais frágeis.
Essas mulheres tão ágeis,
tão presentes, tão futuras,
não se perdem em procuras
nem tem temores noturnos.
Não tomam Prozac, calmante,
não vão no que as mídias ditam.
Desprezam intoxicantes –
religiosas, meditam.
-- As almas dessas mulheres
tão retas e iluminadas,
por mãos de que outras mulheres
terão sido torneadas?
Sherazade
Proibida no edifício
a cachorra da velhinha
na verdade não existe.
Mas em noites mais escuras
a senhora, muito triste,
fecha os olhinhos cansados
e não reza ave-marias
como fazem as vizinhas
com quem tem pouca amizade.
Chama o nome que inventou
-- Sherazade, Sherazade! --
e sente nas mãos manchadas
amorosas lambidinhas.
MÃE MODERNA
Mesmo longe, a viajar,
sempre comigo.
Pendurados no celular,
neo-umbigo.
Enfrentamento
Abro a frase devagar
Como se abrisse um lenço
Que guardasse um segredo mofado.
Leio afastando cada sílaba,
Na tentativa inútil
De romper todo o sentido.
Depois de ler essa verdade
Que tentou se inscrever
Num insight de coragem
Acovardo-me.
Fecho o lenço...
E enxugo meus olhos.
Um poema no ônibus
Parece que a cidade passeia,
E o pensamento espia a palavra.
Há um poema que vagueia,
Versos virando paisagem.
Parece que a janela me leva,
E o poema levanta os olhos.
Não sei se fico ou viajo.
Vou nas palavras e volto.
Parece que tudo é passagem.
O poema beija meus olhos.
A ninhada
A ninhada de palavras
Não me deixa dormir.
Ser poeta é suportar os peitos
Inflamados
E deixar a linguagem sugar
Até sangrarem os bicos.
Vestígios
Meus acasos não povoam
Páginas de dicionários.
São trilhas que transcendem
A leveza dos passeios.
As palavras são rastros
Deixados no cimento fresco.
Nem que eu falseie os passos,
Minto comigo, nos versos.
As palavras são pérolas
De um colar que nunca tiro,
Criadas nas conchas antigas
Dos mares que habitam em mim.
Águas sem caminho
I
Ao atracar no meu porto,
Não me reconheço,
E a cidade não existe.
Não há quem me busque
Ou me convide.
E o tempo de espera,
Esse não finda.
Olho infinitamente pro mar,
Que me atrai, mas não me conduz.
Não há caminho nas águas.
E na verdade não há navio.
II
À beira do meu mar,
Espero o teu navio.
Move-se o horizonte
No manto das ondas, espumas.
No movimento do medo,
Deixo um chorinho
Tocar os meus olhos.
Vultos e velas, barcos distantes.
O pensamento suplica o agora.
Desisto da longa espera
E olho ao redor:
Meu continente é de águas,
Se o teu navio não volta,
Me afogarei, pois não nado.
III
Eu me afogo em meu próprio oceano.
E me encharco deste sal que é meu.
A água que eu engulo é que me mata,
Levando a lucidez que me perdeu.
IV
É que a palavra não pode abarcar
Não avisto terra em confins nenhum.
Já não me sobra espaço em mim mesma.
Quero arranhar o céu para ver se enxergo
Luz que me leve à orla da vida.
Estou s
Imóvel e patética.
Gritar não consigo,
Não sei o que grito.
E a fala me foge
No momento exato.
Não há fôlego, vencida no mar.
É luta vã salvar
Holografias
Velhos fantasmas
Fantasiosa
Saudosa
Numa ilusão de ser
Cúmplice pisco à Lua
Névoas
Cinzas
Nada é domável
Esqueci meus luares imaginários
O último trem levou o lenço
Pisares
Existe um sono a que chamo silêncio
Velho mapa
em que me espelho momentos
existe um tempo em que desperto memórias
em que calço meus rastros
O Amor...
O amor é este letreiro
de mim em ti…
O amor é este tabuleiro
e para que não sejamos contradito…
Psiu!
O amor é poesia
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