ESBOÇO
A vida precisa estar
conectada com a diversão. Prêmio para quem sai de casa e enfrenta o mundo. Em
caso contrário, recomenda-se ao distinto público, com toda pompa e
circunstância que considerar necessária à ocasião, conforme determina a lei, a
ordem e o progresso, que vá plantar batata no asfalto, com enxada de borracha.
E tenho dito. Ou desdito. Como convém à contenção. E ao desmoronamento. E ao
sei-lá-o-mais-o-quê. Nessas horas sempre surgem dúvidas e perguntas difíceis de
responder. Quem é que vai servir um bule de chá para acalmar os ânimos e os
excessos? Quem é que vai organizar os shows das bandas de rock e as
inesquecíveis performances de street tease? Todos e ninguém. Derrubou na área,
é pênalti. Vale tudo. Mesmo que o patrão não libere o vale no final de semana.
Uma dúzia de latinhas de cerveja é indispensável, nada parece mais desumano do
que morrer de sede. É o que dizem. Papai & mamãe. No capricho. Por isso não
é adequado procurar ombro amigo em momentos de tensão. Os finais felizes não
estão escritos, inscritos, nas histórias de amor. Tesão é a doença do século.
Furação. Dizem. Mesmo quando não é aquilo tudo. Ou está resumida em lenda
doméstica, selvagem, uma dessas histórias nebulosas que ninguém imagina que
poderia acontecer na família. Só na dos outros. A inapagável versão mitológica
de traições, repressões e agregados de cama, mesa e banho. Agora é tarde para
tentar encobrir a desgraça. Há testemunhas, quer dizer, testemunha mesmo não
há, mas alguns parentes, ou serpentes, ouviram uma das partes envolvidas
descrever com a palheta do rancor os detalhes que dão colorido ao caso. Acaso e
ocaso. Então é possível que o boato tenha fundamento. Quem duvidar disso é louco, repete tia
Esperança, aquela que passou a vida toda aguardando pelo Príncipe Encantado e
na falta de coisa melhor casou com tio Antônio, que também não é grande coisa.
Um pobre diabo – como todos nós, que isso também não é possível negar. Ou
renegar. Ou regenerar. Pau que nasce torto morre torto. Não se ensina truque
novo para cachorro velho. São tantas as bobagens que surgem nesses momentos de
acerto de contas, que uma a mais, uma a menos, não vai fazer nenhuma diferença.
Mulher é bicho terrível. Ninguém vive sem. Eis a comédia. Ou a tragédia. Cada
um com a sua cruz. Cruzada, a busca incansável pelo Santo Graal. Ao canto,
espectador imemorial, schadenfreude, que tudo se resume na palavra divina. E
maravilhosa. Rosa. Prosa. Verso. Inverso. Imerso nessa trova. Prova dos noves.
Das naves e dos galeões. Garrafões jogados no mar com canções desesperadas e
poemas de amor. Ou receitas de quindim. Talvez isso explique (ou não) porque
alguns homens, vez ou outra, entram em licença sem vencimentos por período
indeterminado.
P.S.: Reproduções de fotos
de Henri Cartier-Bresson (1908-2004)
Raul
J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008),
publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no
Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional,
segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias
como se fossem uvas”.
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário
Postar um comentário