AS MULHERES POETAS NA
LITERATURA BRASILEIRA(19)
OLGA SAVARY (1933) poeta
paraense, jornalista, tradutora, crítica, ensaísta Tem em seu currículo 20
livros, mais de 40 prêmios de literatura — entre eles, dois Jabutis — e
traduções de Pablo Neruda, Julio Cortazar e Mário Vargas Llosa. Estréia em
livro em 1970, com Espelho Provisório, prefácio de Ferreira Gullar. Seguem-se:
Sumidouro(1977), Altaonda(1979), Hai-Kais(1986) e Berço Esplêndido(2001), entre
outros. Primeira mulher a publicar poesia eróticas, Magma(1982).
Ser
Essa boca cúmplice e
insensata
Tangendo a mais antiga e
solitária ária
Na anfíbia flauta do teu
corpo.
LIMITE
Ausente e lassa, queria
estar pisando
a areia fina de Arraial do
Cabo,
a areia grossa de
Amaralina,
em Goiás Velho urdir a
tarde
com Bernardo Elis e Cora
Coralina,
farejar
cheiro de candeia por toda
Ouro Preto...
mas estou presa à molduras
de todos os meus retratos.
Liberdade condicional
Que eu toda me torne
desterro,
lugar de exílio, exílio em
ti;
meu corpo é um edifício
erguido
com vista para o mar, ou
seja,
como o mar rodeando a
ilha,
todo com vista para ti.
Que sejas a tensa corda
do arco só a atirar
– único prazer da memória
–
setas não para a altura
mas em única direção
abaixo da minha cintura.
E te amo morto ou vivo
com a certeza de quem sabe
do grande fogo das
vísceras,
cartas marcadas de risco,
cujo mapa é só abismo,
precipício onde se cai.
de mãos dadas com o perigo
e as sete quedas de vício.
MAR I
para ti queria estar
sempre vestida de branco
como convém a deuses
tendo na boca o esperma
de tua brava espuma.
Violenta ou lentamente o
mar
no seu vai-e-vem pulsante
ordena vagas me
lamberem coxas,
seu arremesso me cravando
uma adaga roxa.
DARCY DENÓFRIO (1936)
poeta goiana, professora universitária, ensaísta e autora didática.Estréia como
poeta com o livro Voo Cego(1980) que conquista o prêmio Cora Coralina/UBE em
1982. Seguem-se outros: O risco das palavras(1982), finalista da I Bienal
Nestlé de Literatura; Amaro mar(1988) e Ínvio Lado (2000).
O RISCO DAS PALAVRAS
Ah! a miséria da oficina
das palavras!
Onde pescar a que melhor
convém?
Maiakovski
Diante de você sempre
emudeço.
Tenho as palavras batendo,
ba-ten-do
ao peito mais que à
garganta.
Mas é tão grande o risco
das palavras
que, delas, finjo que me
esqueço.
Ah, as palavras, se não
houvesse o risco,
eu diria todas, tropeçando
em pedras
como algumas cachoeiras,
mas jorrando
sem parar a urgência de
suas águas.
Mas as palavras acordam
até mesmo
os deuses mais adormecidos
e é melhor não dizê-las,
guardá-las
como pedras, mesmo ferindo
o peito.
Se eu não as disse algum
dia,
alguém lhe dirá sem medo
do risco,
porque há os que abrem as
comportas
e extravasem sem reservas
suas águas.
Mas eu sou dessas
barragens
que não se entregam nem
extravasam,
mesmo com a maior das
enchentes.
POEMA DA DOR SEM NOME
Essa mágoa
dói tão fundo
como se houvesse
perfurado o abismo
interior de meu mundo.
Dela, não serei vassala
só quero lançá-la
como um fio infinito
que se joga no abismo
até vomitar de vez
o início da ponta.
Depois, chegar
à íntima alegria
sem sentir a broca
perfurando a rocha
de meu poço artesiano.
À alegria de alcançar
as águas tranquilas
minhas mais profundas
reservas humanas.
E ouvir o íntimo silêncio
águas entre rochas
calcárias
sem nenhuma pressa
águas que não estremecem
nem trincam
o espelho da alma.
PONTO FINAL
Se não há mais nada a
fazer
é isto mesmo - em frente.
Não importa a direção
a que se ande (já
disseram)
desde que seja para
frente.
Se a última palavra
já foi pronunciada
não cabe vírgula
nem outros sinais de
pontuação
a não ser o ponto final
ENFRENTE!
LENILDE FREITAS (1939 )
poeta e tradutora paraibana, com
formação acadêmica em literatura. Seis livros publicados: Desvios (1987);
Esboço de Eva (1987); Cercanias (1989); Espaço Neutro (1991); Tributos (1994) e
Grãos na Eira (2001). Conquistou alguns prêmios literários: "All Nation
Poetry Contesf (USA); "Prémio
Emilio Moura de Poesia”
(MG),"Augusto dos Anjos" (PB), "Arriete Vilela" (AL),
“Prêmio Pasárgada” (SP), “Nestlé de Poesia” (SP).
A Fernando Pessoa
Não é disso que estou
falando
nem do silêncio presente
nesta sala
em que os pensamentos
entram
igual moscas e pousam onde
querem.
Não é disso
nem de tarde que mastiga
devagar
o que resta da hora
e o vento procura, procura
lá fora não se sabe a
quem.
Falo do teu sonho
ancorado nas alturas
e desta porta aberta
a esperar ninguém
A Florbela Espanca
Conheço a casa
onde o acordar é infeliz
Na mesma rua, outras casas
cintilam
no matiz em que os sonhos
aterrissam
Um pássaro cuja plumagem é
um pincel
voando torto despinta o
céu
A casa que eu conheço
chove por dentro
enquanto a alma
de que lá mora
trinca no centro.
Aquário
O amor em mim
está maduro como um peixe.
De tanta água repleto,
ele não nada.
Pesado cochila sob pedras
— completo.
MARIA DA CONCEIÇÃO
PARANHOS(1944) poeta soteropolitana, contista, teatróloga, professora
universitária, pesquisadora e ensaísta. Fez mestrado em teoria da literatura na
UFBA e doutorado em literatura comparada na Universidade da Califórnia. Estreou
em livro com Chão Circular (1970) que recebeu Prêmio Arthur Salles.Seguem-se os
títulos ABC re-obtido(1974), Os Eternos Tormentos(1986) e As Esporas do Tempo
(1996).
Luz inesperada
Preparei a casa para te
esperar:
procurei nos cantos o
passado
e engastei-o à soleira da
porta,
petrificado em dor, mas
refulgente.
Não foi necessário mudar
de casa
para te esperar. Bastou a
tua vinda,
ainda de madrugada, para
que tudo mudasse,
e a lua crescente surgisse
ao meio dia.
A cama está feita, a mesa
está posta,
nas compoteiras brilham
sobremesas
feitas para adoçarem a tua
boca
quando a vida amargar,
travar-se o riso.
Meu corpo não é o mesmo de
ontem,
mas é mais virgem, através
das horas,
que me apartaram de outros
desejos
dos quais me afasto,
emigrada de mim mesma.
Foi gratuito o teu chegar.
Por isso fica:
permanece em mim e esquece
a lágrima.
Te esperei para chamar-te
"meu amor",
embora ingressem em minha
voz e corpo
antigas sereias, com
pentes de espelhos,
a retrançar meus cabelos
destrançados,
e te convidem para o sábio
mergulho
onde habitaremos: nós e o
tempo.
Escuta
Ocorre que há uns lapsos
na história,
há uns lapsos. Então vêm,
videntes,
relatar histórias
conhecidas
em noites longas de calor,
insônia.
Ouvimos. Pacientemente.
Sob discursos jazem outras
vozes.
Necessário cantar.
Animais se aninham ao
nosso ânimo,
baixam seu brado à espera
da canção.
E os leões de pedra dos
portões
deixam rolar os globos que
os sustentam.
Falamos línguas obscenas.
Não. Endureceu-se o ouvir.
Indefinidamente?
Afrontar a rija espada dos
confrontos,
permitir soluços, se o
peito arfa
curvado de rajadas
imprudentes.
Se não se deixa a alma
nesses lances
em que transidos vagamos
dementes,
como afrontar as rugas,
decifrar mensagens
(não correm ventos nas
paisagens mortas,
largadas ao relento)?
Necessário é amar.
Primeiro e último
tormento.
Anunciação
Anunciar.
Lembra-me o encontro,
vez primeira
em que vi teu rosto no
entanto oculto
por tanta e tão espessa
bruma.
Tarefa de dizer.
Pedi a tua vinda,
supliquei às garras do
tempo
o teu encontro.
Vieste,
a indesejada das gentes,
vieste
e te alojaste à flor
do lábio que não abre.
Tomei a iniciativa.
Ou fui, ao revés,
tomada pela iminência,
essa ganância,
essa arrogância,
essa demência,
que se aloja na garganta?
Pouco importa.
Necessário sonharmos
juntos.
Vieste,
apesar da hesitação
nas fontes hostis
da História.
Doçura de ficar
em tua sombra,
permitida dessa luz
inesperada,
que me arrasta
em surtos de violência
Anunciação.
Rubens Jardim,
67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e
trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil.
Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas:
ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008).
Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80
anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos
Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan
Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos
conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento
CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o
lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os
lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília
(2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional.
Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E
participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do
Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas
publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do
Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
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