Escritor
cuiabano lança site de Drops Literários
Um minuto ou quase isso.
A proposta do escritor
Santiago Santos é essa: fisgar o leitor nas primeiras linhas e acabar antes que
perceba que está lendo. O projeto Flash Fiction, nascido no Facebook em abril
de 2013, ganha casa própria (www.flashfiction.com.br) para hospedar os
minicontos que sairão do forno e as mais de 200 histórias já publicadas.
Explorações do bizarro,
recortes do cotidiano, diálogos, excertos de livros imaginários, monstros,
detetives e bulas de remédio. Tudo vira literatura. Com uma única imposição: a
brevidade. Acostumado a produzir histórias longas, Santiago diz que apostou no
novo formato porque buscava um público específico: os leitores atrás das telas
de computadores e celulares e tablets. “A internet é marcada pelo instantâneo.
Pelo passar de olhos. Pelo fugaz. O Facebook principalmente. Minha ideia era
produzir textos que tivessem uma abertura atraente e acabassem logo, e se
encaixassem no perfil desse apressado leitor potencial que povoa a rede”.
Santiago conquistou um
público cativo enquanto habitava seu universo particular de histórias. A
produção é marcada pela variedade de temas e pluralidade de gêneros. “Quis
apostar nisso mesmo, uma produção amorfa. Um dia publico uma investigação
policial, no outro um pequeno drama familiar, no seguinte as aventuras de um
chinelo de dedo, no próximo o relato de um acrobata manco injustiçado pelos
companheiros de profissão. Pra refrescar, pra brincar, pra arejar a cabeça e
surpreender os leitores.”
“Flash Fiction” nada mais
é que o termo corrente em inglês para o gênero dos minicontos, histórias
executadas entre trezentas e mil palavras. Muito antes da internet vários
escritores já se arriscavam nessa seara; destacam-se Júlio Cortázar em seu
livro Histórias de Cronópios e de Famas e as obras do brasileiro Dalton
Trevisan. Diferente do conto, que possibilita maiores desdobramentos, o
miniconto desafia o leitor a preencher os espaços, a sugerir e evocar ao invés
de escancarar.
Antes de se arriscar nas
narrativas breves Santiago publicou em Cuiabá, em 2009, uma revista impressa de
contos ilustrados que durou 10 edições, a Contos Extraordinários, e também
manteve uma história seriada de ficção científica no blog Circuitos e Cinzas.
Em paralelo ao site o autor continua escrevendo contos e também um romance de
estreia. O Flash Fiction, um pretenso “experimento radioativo”, traz novas histórias
toda terça e quinta. É possível assinar as atualizações pelo próprio site e
acompanhar pelo Facebook e pelo Twitter.
Alugador*
Quando aluguei meu pai ele
não falava nada.
Daí ensinei que pai tem
que falar, ensinar, dar lição de moral, puxar orelha, cobrar as coisas. Ele
demorou pra aprender. Mas aprendeu, todo mundo aprende. Quando já tava bem
treinado dei um presente pra ele. Aluguei minha mãe.
Ele ficou alvoroçado. Só pensava
em putaria. Foram dois meses pra se acostumarem com a presença um do outro. Daí
ela tomou jeito, aprendeu a cozinhar, que comida de mãe é insuperável. Depois
veio todo o amor que é marca registrada da maternidade. Foi virando. Carinho,
intuição, aquela placidez que caracteriza a presença feminina no mundo.
O cachorro aluguei na
sequência, junto com a planta. Pra eles cuidarem, ver se era isso mesmo que
queriam. Mataram a planta mas o cachorro ficou vivo e gordo, então menos mal.
Aluguei minha irmã mais
velha. Ela nasceu com dois problemas. Uma má formação no sistema renal, rins
fraquinhos que perigavam parar a qualquer hora, o que fez eles comprarem um
maquinário espalhafatoso pra instalar no quarto dela. O outro problema era ser
filha única, que a criança fica com várias sequelas, a pior delas achar que o
mundo é mais dela que dos outros. Mas eu viria em breve pra resolver isso.
Aluguei um corpo. Minha
mãe fez tudo direito, não fumou, não bebeu, não dirigiu. Nasci saudável, cresci
e aprendi e ganhei consciência. Quando eu tava com cinco anos e minha irmã com
nove, ela já tinha se enfezado o suficiente pra aprender que a gente tem que
dividir as coisas, material e imaterial. E já tava bem ruinzinha, tadinha, não
saía mais da cama. Aos sete parou de crescer e eu tava com a altura dela.
Eu soube que chegou a hora
quando ela foi dormir e não me deu um beijo, de tão cansada.
Aluguei um ilusionista,
que eu sempre quis ver mágica de perto. No último truque ganhei uma pílula,
colorida e redondinha feito uma salsicha. Engoli e fiquei maravilhado olhando
as coisas perderem a cor e os contornos. Meus pais choraram mas lá no fundo
sabiam que eu só tinha vindo pra cumprir esse propósito. Os rins ficaram pra
minha irmã, o resto deram um jeito de usar pra salvar outras duas crianças.
Tudo previsto na cláusula do contrato quando comecei com essa história de
alugar.
Por último eu aluguei um
sorriso. Usei meus últimos créditos. Ele veio antes da hora, quando minha irmã
ainda tava na mesa de operação. Ninguém entendeu, o médico assustou, mas ela,
que querida, sorriu no exato momento em que ganhava uma segunda chance, sorriu
e deixou uma lágrima correr do canto do olho e eu ri também e sumi e depois
disso não me lembro mais de nada.
Santiago Santos
*Flash Fiction #181
publicado em 25/03/2014
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