Os tentáculos da
literatura: “Guerra dos Mundos” e suas consequências midiáticas
Susana Reis
Artigo publicado no site Literatortura
São muitos os livros que
já causaram polêmica e desordem, discussões e dramas. Mas existe um que criou
pânico em cidades, fugas em massas e medo na população. “Guerra dos Mundos”,
publicada em 1897 e escrita por H.G. Wells, ao ser adaptada para uma peça radiofônica,
causou uma confusão incrível nos Estados Unidos. O poder midiático foi mais uma
vez comprovado.
Mas vamos por partes, e
antes de entrar nas consequências da obra, vamos falar do livro. O leitor deste
texto com certeza, se não leu o livro, já viu o filme “Guerra dos Mundos”, de
Steven Spielberg. Bem, o filme não tem nada a ver com o livro. Esqueça o Tom
Cruise, a brilhante atuação Dakota Fanning e foque apenas na invasão
alienígena. É só isso que a adaptação cinematográfica tem de fiel ao livro.
O narrador do livro não
possui nome. É apenas um filósofo que interrompeu seu trabalho quando ficou
sabendo da queda de um “meteoro” perto da cidade onde morava. Curioso, foi lá
dar uma olhada. O que ele encontrou foi um cilindro e pessoas curiosas em volta,
debatendo sobre o novo objeto. Havia algo dentro do cilindro. Depois de algum
tempo, esse “algo” se revelou. A descrição que segue é do próprio narrador:
“duas formas esverdeadas em movimentos revoltos, uma sobre a outra e, depois,
dois discos luminosos — como olhos. A seguir, alguma coisa parecida com uma
pequena serpente cinzenta, com a espessura aproximada de uma bengala, serpeou,
projetando-se do meio que estremecia, e ziguezagueou na minha direção — e, em
seguida, surgiu outra coisa igual.”
A partir daí, o leitor é
levado para uma pequena odisseia, onde nosso filósofo narrador acaba se
perdendo de sua mulher, e conhece vários personagens que também estão em fuga.
Durante a leitura, há pequenas reflexões sobre como somos pequenos em
comparação aos extraterrestres, como é fácil matar humanos através do “raio da
morte” e como somos fonte de alimento fácil para extraterrestres.
“Por muito estranho que
possa parecer a um ser humano, todo o complexo aparelho digestivo, que
constitui a maior parte dos nossos corpos, não existia nos marcianos. Eram
cabeças — meras cabeças. Não tinham entranhas. Não comiam, muito menos
digeriam. Em vez disso, ingeriam o fresco e vivo sangue das outras criaturas, e
injetavam-no nas suas próprias veias. Eu mesmo observei esta operação, como
mencionarei na devida altura. Mas, embora vos possa parecer melindroso, não
consigo obrigar-me a descrever aquilo a que nem sequer suportava assistir. Deve
bastar dizer que o sangue obtido de um animal ainda vivo, na maioria dos casos
de um ser humano, escorria diretamente, por intermédio de uma pequena pipeta,
para o canal recipiente…”
Dessa forma, os invasores
da terra se divertiram bastante conosco em “Guerra dos Mundos”. Mas o mais
interessante desse livro, são as produções culturais e midiáticas que ela
proporcionou.
Os filmes
Em 1953, Byron Haskin
dirigiu a primeira adaptação do livro para os cinemas. Como sempre, há grandes
diferenças entre livro e filme. Por exemplo, no roteiro do filme, a história se
passa nos Estados Unidos, e não na Inglaterra; a temática religiosa foi muito
mais retratada e o romance teve um enfoque maior.
Já o filme de 2005,
dirigido por Steven Spielberg, possui diferenças ainda mais expressivas do
livro. O personagem principal foi trocado por um pai solteiro com duas
crianças; novamente os EUA se tornaram o palco principal da batalha; a história
não possui nenhuma semelhança com o livro, exceto a aparição dos marcianos e o
final do filme.
A rádio
A rádio foi o meio
comunicacional mais importante nos anos 30, em todo o mundo. Radionovelas,
jornais, programas musicais, eram os principais programas que tocavam nas
rádios.
Mas na noite de 30 de
outubro de 1938, véspera de Halloween, a mídia mais uma vez mostrou o seu poder
e as consequências daquilo que é noticiado em sua programação. A rede CBS
(Columbia Broadcasting System) colocou no ar uma adaptação teatral do livro
“Guerra dos Mundos”, com tudo o que ela teria direito.
Primeiramente, é
importante entender que a rádio fez a chamada para a peça de radioteatro, dando
todos os detalhes. Mas o problema foi que não houve a repetição dessa chamada,
o que deixou o ouvinte perdido. Hoje em
dia, nos acostumamos com o locutor da rádio repetindo aquilo que está
acontecendo na programação. Assim, o locutor muitos vezes é obrigado a repetir
2 vezes o nome da música, o programa que ele está apresentando e as horas, para
alertar o ouvinte. A rádio é um meio comunicacional que não necessita que seus
receptores prestem atenção 100% naquilo que está se ouvindo, ele permite que você
faça outras coisas enquanto ele está ligado. E também admite que você troque de
estação a cada 5 minutos.
O radioteatro “Guerra dos
Mundos” foi dramatizado como se fosse uma grande matéria de jornal, com
reportagens externas de jornalistas, entrevistas com testemunhas, opiniões de
cientistas e autoridades politicas, efeitos sonoros e sons ambientes (típicos
do rádio) e a emoção dos repórteres e comentaristas. O livro foi adaptado da
forma mais realista possível, e a consequência foi um pânico geral nos cidadãos
norte-americanos. Ligações para a rádio, chamadas policiais, grupos armados
saindo à procura de marcianos, panos na janela e até tentativas de suicídios
foram a reação de pânico dos ouvintes.
Foram cerca de 6 milhões
de pessoas que ouviram o programa, mas metade sintonizou no canal apenas quando já havia começado, perdendo a
introdução que informava tratar-se do radioteatro semanal. Mas as pessoas
ficaram tão atentas na história que se esqueceram que nas semanas anteriores,
já haviam tido outras adaptações como “Drácula”, “A Ilha do Tesouro” e “A Volta
ao Mundo em 80 Dias”. Além disso, os jornais noticiaram a adaptação em suas
páginas. Ou seja, as pessoas não tinham porque ficar perturbadas.
O produtor John Houseman e
o roteirista Howard Koch utilizaram a região em volta da cidade de Nova York
para ser o centro da invasão, ao invés da Inglaterra. Howard comprou um mapa e
escolheu, com olhos fechados, o local de desembarque dos extraterrestres.
Grover’s Mill foi escolhida. Orson Welles emprestou sua voz para o famoso
professor Richard Pierson, que comentava sobre a invasão. Músicas tocadas por
uma orquestra (que seria a programação normal) eram interrompidas com as
entrevistas, “flashes” ao vivo e informações. O encontro do cilindro, o
aparecimento de marcianos e a morte de humanos foram noticiados.
No dia seguinte, a
transmissão foi manchete nos jornais. A CBS foi processada, mas nenhuma ação
judicial deu resultado. H.G. Wells afirmou que não havia permitido que sua obra
fosse tão alterada, mudando de ficção para fato.
Essa é uma das histórias
mais curiosas de adaptações radiofônicas que podemos encontrar, e uma das mais
conhecidas no mundo. Se formos procurar, há mais detalhes interessantes que
poderiam ser adicionadas, mas muita coisa é apenas suposição. O que temos mesmo
é um dos mais importantes episódios na história comunicacional mundial, que
demostra o poder da mídia.
Revisado por: Pedro Dalboni.
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