Por Vinício dos Santos
Nós sabemos o poder que
uma música, repetida a exaustão, pode fazer com nossas memórias - eu mesmo,
quando escuto Fur Elise do Beethoven ou As Quatro Estações, de Vivaldi, penso,
respectivamente, em bujão de gás e sabonete. Mas, enquanto a eternidade guardou
um espacinho para o nome desses dois ao lado de suas criações, nem todos os
compositores tiveram a mesma sorte, e suas obras viraram eternas, enquanto suas
caras a gente nunca conheceu. Então, num esforço digno de um Que fim levou? de
Milton Neves, o Puxa! foi descobrir mais sobre 8 compositores cujas obras
marcaram nossas vidas (ainda que de um jeito meio estranho).
Quem é o cara? Americano,
nascido em 1910, fez carreira na TV compondo trilhas sonoras para séries como
Bonanza e Os Pioneiros, levou quatro Emmys de trilha para casa, além de cinco
Grammys, e foi casado por um tempo com a Dorothy do Mágico do Oz, depois que o
tornado a trouxe de volta.
E o que ele fez de tão
legal assim? David Rose é o cara que compôs a música do Pião da Casa Própria.
Aperte o play no video abaixo e, se parar no cinco ou no seis, você ganha a
casa.
“Holiday for strings”,
composta no começo dos anos 40, foi o primeiro hit de Rose, lhe dando inclusive
um de seus Grammys e um disco de ouro – além de uma cacetada de regravações e
inclusões em filmes. Não conseguimos descobrir como demônios Silvio Santos foi
escolher essa música para tocar enquanto o pião roda, mas uma coisa é certa:
aquele barulho do início, de trem saindo da estação – coisa da versão
brasileira – foi gravada pelo Roque.
Quando eu escuto essa
música, dá vontade de… sair rodando. E descobrir onde, nesse país, ainda se
compra uma casa no valor de 40 mil reais.
7 Frank deVol
Quem é o cara? Também
americano, nascido em 1911, nunca foi um compositor muito famoso nos states –
apesar de ter conseguido cinco indicações ao Oscar de melhor trilha, uma delas
por Adivinhe quem vem para jantar?, aquele filme em que a família não aceita
que a filha se case com o Sidney Poitier por preconceito de ele ser professor.
Espera aí, acho que confundi alguma coisa.
E o que ele fez de tão
legal assim? Talvez não seja TÃO LEGAL assim, mas é dele a música de abertura
do Jornal Nacional.
“The fuzz” é uma das
músicas da trilha de “Acontece cada coisa” (The Happening), uma comédia bem
bunda dos anos 60 sobre quatro ripongas que, sem querer, seqüestram um chefe da
máfia que ninguém quer resgatar. A música ganhou outro arranjo na abertura do
jornal, mas não deixa de ser curioso que a Globo abra um de seus telejornais há
mais de 40 anos com uma música para hippies. Fico no aguardo de eles trocarem a
abertura do Jornal da Globo por “Era de Aquário”, só para ver a cara do William
Waack.
Quando eu escuto essa
música, dá vontade de… dizer “boa noite”.
6 Enoch Light
Quem é o cara? Outro
americano, violinista e engenheiro de som, nascido em 1905, um dos primeiros
caras a realizar experimentações com música estéreo – o que se revelou uma
inutilidade à época, porque as rádios AM eram mono. Já nos anos 60, com sua
Light Orchestra, regravou composições dos Beatles, clássicos da discoteca e até
tem um disco de Bossa Nova com arranjos experimentais, na época em que
“atualizar música” não era sinônimo de “batidas eletrônicas”.
E o que esse cara fez de
tão legal assim? Ele não fez, mas refez: uma releitura do tema de Star Wars, do
John Williams. E o que tem de especial nisso? Amigos, é o tema de abertura do
Aqui Agora.
“Theme from Star Wars” é
uma das faixas de The Disco Disque, álbum de 1975, usada anos mais tarde pelo
jornal argentino Nuevediario, já na década de 80. E como tio Silvio adora uma
coisa com sangue latino, adotou a música como abertura do Aqui Agora, aquele
jornal que, antes de começar, você precisava colocar um modess na TV, de tanto
sangue que estava por vir.
Quando eu escuto essa
música, dá vontade de… gesticular a mão feito o Gil Gomes e dizer no mesmo tom
de voz “aqui, nesta rua, o meliante pulou o muro…”
5 Carlos Freitas
Quem é esse cara? É um
compositor e inventor brasileiro, na casa dos 60 anos, que tem um canal noyoutube com um único video, de 8 segundos.
E o que esse cara fez de
tão legal assim? Compôs o alerta nacional de pobreza: o toque da chamada a
cobrar.
“Chamada a cobrar”,
segundo informações dele mesmo , foi um trabalho para a Telepar, nos anos 70,
pelo qual ele não recebeu nenhum centavo até hoje, mesmo que a composição dele
seja a mais tocada do Brasil, ainda muito na frente do assovio do whatsapp. É injusto
para chuchu que ele nunca tenha recebido nada pelo seu trabalho, ainda mais
considerando o quanto sua música ajuda brasileiros, diariamente, a economizar
uma grana recusando chamadas a cobrar feitas por gente sem crédito em celular.
Agora, doloroso mesmo deve ser ver uma composição sua servir de sample para
música da Kelly Key.
Quando eu escuto essa
música, dá vontade de… desligar o telefone. Quer falar de graça, liga pro CVV.
4 Zé Menezes
Quem é esse cara? Compositor
e instrumentista brasileiro nascido no Ceará, nos anos 20, foi de rádio,
maestro de orquestra e teve uma banda espetacular chamada “Os Velhinhos
Transviados”, que fazia versões de qualquer música que aparecesse pela frente.
E o que esse cara fez de
tão legal assim? O maior tema da zuera never ends desse país: a música de
abertura dos Trapalhões.
“Abertura dos Trapalhões”
corria por fora como candidata a canção do programa, mas Boni, que mandava na
Globo na época, gostou e ainda deu um emprego para Zé Menezes na emissora. Já
se vão mais de quarenta anos e sempre que alguém escorrega, tropeça, dá com uma
vassoura na cabeça de alguém ou toma quatro gols da Alemanha em seis minutos, é
inevitável não escutar a musiquinha na cabeça.
Quando escuto essa música,
dá vontade de… apertar o extintor e soltar fumaça para todo lado. Também dá
vontade de ficar mais rico do que o resto do grupo que trabalha comigo.
3 Boris Fomin
Quem é esse cara?
Compositor russo, nascido no início do século XX, precisamente em 1900 – mas
vocês sabem:“russo” e “início do século XX” não costuma dar muita sorte para as
pessoas, e com Boris Fomin não foi diferente. Nos anos 20, ele obteve grande
sucesso tocando para o exército vermelho e compondo canções típicas russas, até
que o governo comunista resolveu que era música de burguês e botou Boris em
cana. Um ano e meio depois ele foi solto – dizem que Stalin curtia seu batidão
– e ajudou a animar as tropas russas durante a 2ª Guerra. Aí, depois da guerra
ele foi preso OUTRA VEZ, pelo MESMO MOTIVO, e morreu de tuberculose ainda nos
anos 40.
E o que esse cara fez de
tão legal assim? Lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá la.
“Dorogoi Dlinnoyu”,
composta em 1918 por Fomin, ficou famosa anos mais tarde, quando o popstar
russo Alexander Vertinsky, com uma letra do poeta Konstantin Podrevsky, levou a
música as paradas de sucesso no Kremlin. Versão em cima de versão, a canção chegou
aos EUA, onde foi regravada com o título de “Those were the days”, e ficou mais
famosa na interpretação de Mary Hopkin, protegidinha de Paul McCartney. E
chega, nos anos 80, ao Show de Calouros, contrariando aquele papo de que Deus
não joga dados.
Quando escuto essa música,
dá vontade de… anunciar qualquer coisa que estiver no meu campo de visão
fazendo lá lá lá lá lá lá lá lá…
2 John Charles Fiddy
Quem é esse cara? É um
guitarrista e compositor inglês, nascido em 1944, que aos pouquinhos foi se
especializando em compor trilhas para cinema, séries de TV e anúncios
comerciais, além de fazer parte, por um tempo, da banda que acompanhava Olívia
Newton John, aquela que mostrou pra gente onde ficava Xanadu (trocadilho
intencional).
E o que esse cara fez de
tão legal assim? 70% de todas as músicas que tocam no Chaves são dele –
incluindo daquele episódio em que ficam chamando o Chaves de “ladrão!”
“ladrão”. Desculpa, escutem a música aí porque eu me emocionei e vou lavar o
rosto.
E Chaves, vocês sabem, é
uma co-produção Brasil e México: eles atuaram por lá e nós fizemos o roteiro
com a dublagem aqui – e colocamos trilha sonora. Só Deus sabe se Fiddy tem
noção do quanto suas composições são famosas no Brasil, mas espero mesmo que, em
reconhecimento, ele também tenha sido convidado para a festa dos Pires
Cavalcanti.
Quando escuto qualquer
dessas músicas, dá vontade de… perguntar chapéu, sapato ou roupa usada, quem
tem. Menos aquele cacete de música triste. Aquela dá vontade de tomar estricnina.
1 Julio Posadas Gilabert
Quem é esse cara? É um DJ
espanhol que atende por pelo menos vinte nomes diferentes e, pelo pouquinho que
existe disponível sobre ele na internet, é um dos principais produtores de
música eletrônica na Espanha, não que alguém se importe com música eletrônica.
E o que esse cara fez de
tão legal assim? com uma composição sua, fez parte da melhor amiga que a
puberdade pode ter nos anos 90: a Banheira do Gugu.
Antes de mais nada, queria
contar a vocês que deu um trabalho DO DEMÔNIO descobrir que foi esse cara quem
compôs “Eo eo eo eo”. Na internet toda, a música é creditada a uma banda(?)
chamada Dream Water, que simplesmente não existe. Perdido, consegui uma evidência
nova: na contracapa do CD Domingo Legal Dance Volume I – vejam o que não faço
pelo Puxa! – a música é creditada a um “J Posadas” que, para ajudar, é o nome
de um líder trotskista argentino. Aí, no site da Abramus, deu para descobrir
que a canção foi registrada no Brasil com a composição de “Julio Posadas
Gilabert”. Só que Julio Posadas não me pareceu muito feliz com o que fizeram
com sua música por aqui, porque não há nenhum registro dele no Google associado
com Dream Water, banheira, Luiza Ambiel ou dez sabonetes.
Quando escuto essa música,
dá vontade de… gritar “valendo!’ pra ver se alguém se anima a pegar dez
qualquer coisa, nem que sejam dez tampinhas num balde com água.
Vinício dos Santos é um
renomado ninguém. Volta e meia é confundido com outras pessoas, as quais ele só
pode pedir desculpas e desejar melhoras. É o idealizador e quem mais posta no
Puxa Cachorra!, o que revela muito sobre ele, e ainda mais sobre os outros
membros. Escreve também para o Coisas Crônicas , o Na saída do Cinema , o
Ensination e é autor do romance Explo: Pedra e Picaretagem.
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