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Artur Avila
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A escada até a medalha
Conquista de Artur Ávila é
resultado de estratégia de pioneiros que lutaram para pensar grande, deixar a
"autoestima de vira-lata" e mudar a mentalidade do ambiente
científico no país.
A premiação recém-recebida
por Artur Ávila deve ser vista sob a perspectiva da
história da matemática no Brasil.
A Medalha Fields é, sem
dúvida, uma glória para a matemática – e a ciência – no Brasil. E o nome de
Artur Ávila e da instituição que o formou, o Instituto de Matemática Pura e
Aplicada (IMPA), no Rio de Janeiro (RJ), estarão para sempre inscritos na
história deste país.
(foto: Stefan Zachow/IMU -
Wiikimedia Commons)
Eis, portanto, a chance de
lembrar algo de que muitos se esquecem ou acham que não vale a pena lembrar: a
escada que elevou esse jovem carioca a tamanho prestígio internacional começou
a edificada há muito tempo. E alguns de seus degraus foram esculpidos e
cimentados por nomes como Joaquim Gomes de Souza (18291-1864); Otto de Alencar
(1874-1912); Theodoro Ramos (1895-1935); e Manuel Amoroso Costa (1885-1928).
Haverá aqueles que dirão
que nenhum deles deixou "contribuição significativa" para a
matemática deste país. Quem o fizer estará meio certo e meio equivocado, pois
isso depende do que se entende pela expressão acima entre aspas.
"Contribuição"
seria dedicar-se à pesquisa em matemática em um ambiente intelectual inóspito à
ciência e totalmente isolado da Europa, como fez Souzinha? Seria combater o
positivismo e atacar os erros da matemática do idealizador dessa doutrina
filosófica, o francês Auguste Comte (1798-1857), em época na qual essa corrente
de pensamento era endeusada pela maioria dos intelectuais brasileiros, como fez
Alencar? Ou trazer a matemática feita no Brasil para o século 20, como fez, em
sua tese de doutorado, Ramos, que, por sinal, também foi o introdutor da
mecânica quântica no país? Ou introduzir por aqui a teoria da relatividade e
sua complexa matemática (cálculos tensorial, geometria não euclidiana etc.),
como fez Amoroso Costa no início da década de 1920?
Seria de se estranhar
(muito) que algum deles demonstrasse um teorema dificílimo ou resolvesse um dos
problemas então em aberto da matemática. Souzinha, Alencar, Ramos e Amoroso
Costa podem ser vistos como meros "engenheiros e diletantes da matemática"
– e, nesse caso, nada teriam a ver com a história que leva a Artur. Ou como
pioneiros em um solo árido e infértil para a pesquisa científica – e que, de
algum modo, contribuíram com algo tão ou mais importante do que resultados
científicos: mudar a mentalidade do ambiente.
Haverá quem diga que a
citação de tais nomes aqui é só uma forma de "fazer justiça" a eles.
Pergunta-se: haveria algo mais nobre do que fazer justiça?
Há aqueles que gostam de
iniciar a história da matemática no Brasil com a Universidade de São Paulo,
para onde vieram, em meados da década de 1930, os matemáticos italianos Luigi
Fantappié (1901-1956) e Giácomo Albanese (1890-1947). Há os que preferem jogar
esse marco para a fundação do IMPA, que nasceu, no início da década de 1950, em
uma sala do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, para – aceitem ou não
alguns – resolver um problema de um dos grandes matemáticos que o Brasil já
teve, Leopoldo Nachbin (1922-1993), a quem a Universidade do Brasil foi
preconceituosamente refratária ao impedi-lo de prestar concurso.
Como a história não evoca
para si a exatidão das ciências, então, a escolha de onde começar a história de
Artur fica por conta de critérios pessoais, políticos ou do ego de cada um.
Investimento de décadas
Em parte, a medalha de
Artur é resultado de uma estratégia formulada e posta em prática há décadas
pelo IMPA: pensar grande – e deixar de lado, para citar palavras de Artur a um
jornal, a "autoestima de vira-lata" da ciência no Brasil. E isso
envolveu – sem conotação pejorativa – fazer lobby dos resultados alcançados.
Repita-se: não há nenhuma rebarba depreciativa no termo. É algo que, pelo
contrário, deve ser enaltecido.
Nesse sentido, vale citar
a introdução de Ciência Hoje n° 299 para o especial Nobel que a revista publica
anualmente: "A candidatura de brasileiros [ao Nobel] nunca vingou. Este
signatário já se envolveu em campanha para a promoção de cientista nosso ao
Nobel. Impressão que ficou ao lidar com academias e autoridades daqui: egos
inflados, desunião, incredulidade, falta de interesse pela promoção do
alheio... Lobby, certamente, não decide. Mas é, em certas categorias do prêmio,
essencial. E a promoção de candidaturas cairia bem para um país que, neste
momento, almeja posição destacada no cenário geopolítico internacional. Mas,
talvez, haja outra pergunta (mais incômoda, mais provocativa): o Brasil quer
ganhar um Nobel?"
Não há resposta para a
pergunta acima. Mas, certamente, o Brasil sempre quis ganhar uma Medalha
Fields. E trabalhou muito e duro para isso, formando gente de primeiríssima e
obtendo resultados de igual nível. O resultado está aí: um marco ad aeternum
para a ciência brasileira. E também um grande mérito para os chamados
Institutos de Pesquisa, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que,
não raramente, sofrem ataques dos que teimam em não entender a história e o
papel da pós-graduação neste país. Se os planos dessas correntes tivessem
vingado, o IMPA talvez nunca tivesse formado Artur. E...
Vale aqui lembrar outro
brasileiro indicado para a medalha anos atrás, Marcelo Viana, também do IMPA e
ganhador da primeira edição (2005) de outra láurea igualmente de prestígio, o
prêmio Ramanujan. Como Artur, Marcelo também trabalha com os chamados sistemas
dinâmicos não lineares (aqueles que, mesmo minimamente perturbados, podem mudar
bruscamente seu comportamento), área em que o Brasil é referência mundial.
E, retrocedendo um pouco
mais a linha temporal, tem-se um nome que está na raiz dos feitos de Artur e
Marcelo: o norte-americano Stephen Smale, também Medalha Fields e que tem longa
tradição de cooperação com a matemática brasileira. Smale é um tipo de 'avô
matemático' de Artur e Marcelo.
E, para fazer justiça,
vale citar que Artur e Marcelo foram alunos de dois outros grandes nomes da
matemática brasileira, Jacob Palis e César Camacho, ambos do IMPA e que, em boa
parte, são responsáveis por promover o nome da matemática brasileira no cenário
mundial.
Matemáticos brasileiros
Da esq. para a dir.,
Joaquim Gomes de Souza (foto: Portela,Bacelar – Gomes de Souza e
sua obra, UFMA, 1975), Theodoro Ramos (foto: Wikimedia Commons
CC BY-SA 3.0), Manuel Amoroso Costa (foto: Wikimedia commons)
e Otto de Alencar (foto: Wikimedia Commons), alguns dos
grandes nomes que pavimentaram os degraus que levaram nossa
matemática à medalha Fields.
Se aceitarmos que a
história pode começar quando bem entendermos – ou quando mais nos convier –,
corremos o risco de, daqui a 100 anos, nos esquecermos de nomes como Ávila,
Viana, Palis e Camacho, entre tantos e tantos outros que construíram (às vezes,
no anonimato) a história da matemática neste país.
Seria, no mínimo,
injustiça.
E aqui vale citar algo que
a mídia parece não ter dado a ênfase merecida: a Medalha Fields para uma
mulher, a iraniana Maryam Mirzakhani. É também um marco, pois a história na
matemática mundial pode ser vista como uma sequência de discriminações e
preconceitos contra as mulheres. Então, para fazer justiça a duas pioneiras
brasileiras, vale mencionar – em uma homenagem a todas as outras matemáticas do
Brasil – Marília Peixoto (1921-1961) e Elza Gomide (1925-2013), para ficar com
só dois entre vários nomes possíveis.
Escolas e famílias ainda
têm o péssimo hábito de dizer para suas alunas e filhas que matemática – na
verdade, ciências exatas – é coisa de menino. Maryam, certamente, servirá de
modelo para muitas meninas no mundo que gostam de números e símbolos. E seu
nome está agora ao lado de outras pioneiras
das exatas.
Talvez, agora, Artur tenha
sua biografia no MacTutor, ao lado de Paulo Ribenboim, o único brasileiro até agora
a constar desse excelente banco de dados sobre a história da matemática
mundial.
Artur deve ser longamente
saudado – e desde já se deposita nele a esperança de que forme muitos outros
matemáticos. O IMPA merece respeito e os mais efusivos cumprimentos por
continuar a formar pesquisadores tão gabaritados. E por nunca ter deixado de
pensar grande.
Neste momento ímpar para a
ciência brasileira – algo, talvez, só comparável à detecção do méson pi pelo
então jovem físico César Lattes (1924-2005) em 1947-48 –, não podemos nos
esquecer de que Artur é, sim, produto de uma luta – longa e, por vezes, bem
inglória – pela instauração e manutenção da pesquisa no Brasil. Lattes nunca se
esqueceu de seus professores e de citar o valor de pioneiros como Souzinha, Alencar,
Ramos e Amoroso Costa, entre tantos outros.
Espera-se que isso não
seja um problema para Artur.
Fonte: Ciência Hoje/ RJ
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