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Em tempos de mergulhos rasos, quem lê mais do que um tweet é rei [Ricardo Coiro]

Em tempos de mergulhos rasos, quem lê mais do que um tweet é rei



Como você já deve saber, estimado leitor, eu tenho inúmeros textos espalhados pelo nobre e imenso território virtual; o que você provavelmente ainda não sabe é que, quase sempre, os meus textos mais longos (aqueles que possuem mais de oito parágrafos) têm menor aceitação do que os curtinhos (aqueles que têm menos de cinco parágrafos). Parece apenas uma curiosidade inútil, né? Mas não é! Pois essa repulsa que o leitor padrão tem demonstrado quando colocado diante de textos longos exemplifica, perfeitamente, um dos comportamentos mais característicos da nossa época e que, a meu ver, só crescerá com o passar dos dias e devido à evolução das ferramentas tecnológicas. Já sabe de qual comportamento eu estou falando? Não? Refiro-me a nossa impaciência para mergulhos profundos e à violenta aflição que sentimos quando permanecemos muito tempo dentro da mesma janela, página ou atividade. Não está entendendo nada? Feche todas as janelas do seu navegador (menos esta, obviamente), desligue a sua televisão, tranque o seu smartphone dentro de alguma gaveta bem longe de você, coloque o seu rádio no mudo e, se for capaz, concentre-se nos próximos parágrafos! Combinado?

Outro dia, antes de dormir e depois de perceber que ando com certa dificuldade para ler livros até o último ponto final, eu concluí: em várias áreas da vida (do aprendizado às relações humanas), temos priorizado o que já chega até nós totalmente mastigado, ou seja, estamos agindo exatamente como agem os pássaros recém-nascidos, porém, diferente dos filhotinhos sem pena e de bico bem escancarado (que com o passar do tempo ganham poder de digestão), sinto que o correr do relógio parece estar nos tornando seres cada vez mais incapazes de digerir conteúdos que exigem a nossa própria mastigação. Estou errado?

Damos preferência às fontes de informação que conseguem resumir grandes acontecimentos em poucos caracteres, sentimos verdadeiras ereções sempre que alguma alma boa – e paciente – consegue colocar epopeias inteiras dentro de um infográfico e amamos aqueles vídeos que, antes mesmo de o Miojo ficar pronto, conseguem nos explicar a história completa do conflito entre israelenses e palestinos. E a faminta demanda por atalhos mágicos também pode ser notada quando prestamos atenção na crescente oferta de promessas milagrosas que vive a ser colada nos postes da vida: “Consiga uma barriga chapada em sete dias!”, prometeu a revista que sabe bem o quanto as pessoas anseiam por caminhos mais curtos; “Em três meses você se tornará fluente em inglês!”, prometeu a escola de idiomas que já percebeu o quanto a humanidade vive cada segundo como se estivesse à beira do apocalipse; “Conquiste a mulher dos seus sonhos em três simples passos!”, prometeu o autor que tem ciência do quanto, até na hora conquista, parece faltar tempo para a sobremesa.

Entendeu agora o que eu, no primeiro parágrafo, quis dizer com “mergulhos rasos”? Aposto que você, assim como eu, está na metade de várias séries de televisão e que, ao invés de terminar as que acabou de começar, já está ansioso para iniciar mais uma, acertei? Não somos os únicos. Aliás, somos a maioria.

O acesso fácil, rápido e gratuito a conteúdos dos mais diversos tipos, além dos benefícios óbvios e que deixaram a Barsa no chinelo, também tem nos gerado uma agonia irônica e muito parecida com aquela que sentimos quando nos deparamos com cardápios que nos dão muitas opções de escolha. Fica difícil decidir o que consumir primeiro! E o pior: como comumente acontece quando tomamos cafés da manhã em hotéis que nos dão acesso livre a mesas fartas, consumimos um pouco de tudo, mas não absorvemos o gosto de nada. Somos gulosos por informação, o que não é ruim, porém, estamos ficando com os olhos maiores do que o cérebro.

A afirmação que farei a seguir poderá parecer estranha à primeira lida, mas vale a nossa reflexão: não nos ensinaram a lidar com tanta fartura de conteúdo! E diante de tantas prateleiras (físicas e virtuais) repletas de coisas interessantes, sentimos um enorme pavor de ficar para trás e de não conseguir acompanhar, como o mundo todo parece – só parece! – estar conseguindo, o que está rolando de mais quente. E a novidade, graças a publicitários como eu, sempre nasce fantasiada de imperdível, e assim, para nos sentirmos integrados ao que está acontecendo e afastarmos o pavor de ficarmos ultrapassados, largamos, pela metade, o que já começamos, e iniciamos algo que, com sorte, será percorrido até a metade. E assim seguimos: pulando de galho em galho, de meio livro em meio livro, de meia temporada em meia temporada, de faixa branca de caratê em faixa branca de jiu-jitsu e de meio beijo em meio selinho, sem nos aprofundar em coisa alguma e formando um exército feito por gente que sabe um pouquinho de tudo e MUITO de nada! Como os patos: nadamos, voamos e andamos, porém, não conseguimos realizar nada com grande profundidade ou maestria.

Vocês ainda têm concentração para três conselhos? Primeiro: já que você não poderá ter tudo aquilo que a modernidade oferece e que é impossível acompanhar a oferta de coisas (de conteúdos televisivos a novos regimes, passando pelos superalimentos da estação) que, a cada dia, parece crescer mais, como em uma dieta, priorize o que é mais benéfico à sua saúde e o que parece capaz de colocar você mais próximo às suas metas. Escolha apenas algumas coisas para tragar e as consuma até a última ponta. Ou até o último ponto. Ou, quem sabe, no caso de uma transa, até a última energia do pinto. Segundo: ao invés de manter, através do Facebook – e de outras mil plataformas de comunicação – diversas relações superficiais e alimentadas à base de “Parabéns, tudo de bom!” ditos uma vez ao ano, descubra quem são os amigos com quem você poderá contar caso a gasolina do seu carro acabe, de madrugada, quando você estiver passando sobre um campo minado, e encontre maneiras (como longos cafés e ligações insistentes) de aprofundar o seu relacionamento com eles. Terceiro: caso esteja pensando em fazer um mochilão pela Europa, desista de passar por quinze países em trinta dias, pois assim você, na melhor das hipóteses, conhecerá os aeroportos dos locais por onde passará. Isso é coisa de quem curte ostentar carimbos no passaporte. Vá a três países, no máximo, e mergulhe fundo em cada um deles. Fundo a ponto de pegar um leve sotaque, de construir uma família e de ser capaz de informar direções a turistas perdidos.

Agora, meus caros, peço licença, porque eu preciso responder três e-mails, ligar para o André, começar mais um texto, terminar de escrever o meu segundo livro, ler as muitas revistas que comprei no ano passado e até agora só folheei e, com sorte, antes que o efeito da minha ritalina acabe e que a mais simples frase passe a parecer tão indecifrável quanto a última cena de 2001: Uma Odisseia no Espaço, assistir a um capítulo inteiro de Mad Men (na época do Don Draper eu não era assim, atarefado!).

Obs: p/ vc q leu até aqui, obg! (Abreviado msm)


Vive entre o soco e o sopro. Morre de medo do morno e odeia caminhar em cima do muro. Acha que sensibilidade é coisa de macho e que estupidez é atitude de frouxo. Nunca recusou um temaki ou um café. Peca todo dia. Autor do livro Confissões de um Cafamântico.

Um comentário

Marisete Zanon disse...

Verdadeiro, intrínseco e irônico. Amei!