Não admitia a existência
real do amor. Durante toda a vida, ele não passara de um substantivo mais que
abstrato. Não se tratava de oposicionismo prosaico, mas é que o amor lhe
parecia demais grileiro, e, seu íntimo estava mais para as revoluções que para
os latifúndios.
Por anos a fio, vivera sem
o amor; ele não lhe faltava. Em suas caixas coloridas e gavetas em ordem, não
havia espaço para o amor. Nos mapas de fuga, espaço além, também não havia
lugar para ele. Sua mochila era extremamente compacta. Até seus versos, néctar mais puro daquela
alma menina, não conheciam o amor; dele nada diziam.
Fora num encontro
orquestrado pelas gotas estelares que os olhos esbarraram-se, comeram-se em um ritual sacro de anjos
libertinos. E de lá, despontara em espiral o mais extraordinário neologismo,
quem nem Guimarães Rosa ousara criar.
Agora, neologismava como
quem, pela primeira vez, bebe o sal do mar e nos olhos, não se sabe se arde ou
descortina; e na boca, não sabe se sufoca ou gargalha. Neologismava numa
grandeza de pássaro que voa sem roteiro e, quando quer, volta. Seu neologismo
agigantava, à medida que o suor lhe aguava, e, as mãos entrelaçadas,
farfalhavam-lhe sua terra.
Neologismava tanto, que
até transmutara-se. Fizera um puxadinho para abrigar aqueles que escoltavam o
neologismo. Já não falava; havia riso em excesso nos cantos de sua boca e eles
adormeciam as palavras. Já não dormia; os sonhos lhe arrastavam a todo instante
e, neles, o neologismo alastrara-se.
De tanto neologismar,
perdeu o tato com as palavras, perdia-se
pelas ruas, perdia a chave do sótão onde adormeciam, engasgava-as...Aí
descobriu que neologismar lhe bastava.
Erika
Jane Ribeiro (Pók Ribeiro). Poeta, cronista, professora de Língua
Portuguesa, oficineira, articuladora textual com adolescentes e
blogueira. Natural da cidade de Uauá – Bahia, terra iluminada pelos
vagalumes e com forte veia cultural, foi acolhida pelo Rio São Francisco
desde os idos de 2000 quando iniciou o curso de Licenciatura em Letras
pela UPE/FFPP em Petrolina - PE. Já em 2010, concluiu o curso de Direito
pela UNEB em Juazeiro – BA e, em 2012, especializou-se em Direito Penal
e Processo Penal. Amante da literatura desde sempre, começou a escrever
poemas por volta dos 12 anos. Em 2007 lançou, numa produção
independente, o livro de poemas “Noites e Vagalumes”. Atualmente, além
de poemas, escreve crônicas, memórias literárias e arrisca-se em
composições musicais, em parceria com amigos músicos. Página na
internet: Vagalumes, poesia e vida
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2 comentários
Texto formidável!
Até neologismos faltaram... Simplesmente perfeito!
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