A conversa era de pai pra
filho. Pelo menos deveria ser, mas participavam além do Afonso e do Júnior, seu
primogênito, quase toda a turma do boteco. “Papo de homem”, diria depois o
garçom, como discreto observador que colhia a cada nova cerveja entregue, pequenos
fragmentos do que era dito. Na verdade aquela rodinha era quase como um ritual
de passagem a que submetiam o Afonso Júnior, que mal saíra da puberdade. Se a
nova geração tem calos nas orelhas de tanto rolarem nos tatames, lutando
jiu-jítsu ou coisa que o valha, eles, por sua vez, ostentavam vistosos calos
nos cotovelos, adquiridos ao roçá-los por anos a fio nos balcões de mármore da
boemia. Somados, ali havia certamente bem mais que um século de experiência com
o sexo oposto, o que, por si só, credenciava-os, com toda a segurança que as
oito rodadas de cerveja permitiam, a emitir conselhos profundos sobre a alma
feminina.
– Olha só, moleque – o
moleque era em sentido carinhoso – você não pode acreditar em tudo o que elas
dizem. De jeito nenhum!
– Como assim, tio? – O tio
era o Nonô, que odiava ser chamado dessa forma. Mas não se intimidou.
– Dinheiro, por exemplo.
Trate de ganhar muito dinheiro. Eu sei, elas dirão que não ligam pra grana, mas
você acredita?
– Ah, depende da garota...
– Não depende! Veja só:
experimente dar um colar de pérolas ou um anel de brilhantes a uma garota para
ver o tamanho da felicidade... Fala a verdade, qual mulher não adora frequentar
lugares badalados e interessantes sem se preocupar com a conta? Conhece alguma?
Hein? Cartão de crédito com limite bem gordo, então...
– É mesmo – acrescenta o
Jonja – Vivem dizendo que gostam de dividir a conta, mas vão espalhar com o
maior orgulho que você é “das antigas”, caso não admita que elas abram a
carteira na sua frente.
– O garoto prestava
atenção registrando mentalmente tudo que era dito.
– Dizem que odeiam homem
brigão – era a vez do Greg – É ou não é?
– desafiou – Não dizem isso?
Que odeiam homem brigão...?!
– O garoto concordou com a
cabeça. Era o que esperavam que fizesse.
– Pois é, odeiam em
termos... Se você bater em três vagabundos, defendendo a honra da amada com
golpes malabarísticos de kung fu, ouvirá dela o mais delicioso gemido de
admiração. E tem mais: se você fizer isso sem desalinhar o penteado, então...
Meu amigo..., você pode pedir a ela o que quiser!
A sobrancelha levemente
arqueada significava que o Júnior estava tabulando as informações.
– Elas garantem que
admiram homens sensíveis, delicados... – agora era o Tigrão que falava – Dizem
que o homem moderno tem que ser meigo! É ou não é? – não esperou a resposta –
Mas soltam um suspiro do fundo da alma se na hora agá você dá aquela pegada
mais forte, segurando-a pelo cabelo e gritando... Vem, cachorra!
Os olhos observadores do
Júnior eram a medida da atenção que depositava nos conselhos dados. Naquele
momento, encontravam-se arregalados!
– E tem mais... Juram que
homem inteligente é que é excitante! Culto, articulado, bom vocabulário... Mas
não perdem por nada a novela em que os atores ficam o tempo todo sem camisa.
Pode reparar...
Todos concordaram, contrariados,
balançando a cabeça.
E o tamanho do... Uhrnn –
tossiu no final da frase para não precisar ser muito grosseiro – Declaram que
não faz diferença o tamanho do... você sabe o quê! “O importante é o prazer que
proporciona”, falam, bem cínicas! Mas... – Não teve chance de complementar o
raciocínio, pois foi interrompido pelo Afonso, achando que para uma primeira
conversa já tinham dito o suficiente. De fato, o
Afonso tinha razão: com cara
de assombro, o Júnior estava ruminando o que ouvira. Mais que depressa, trataram
de pedir mais uma rodada.
– Tonho, traz a mais
gelada para o meu filho – exigiu, pondo-se de pé como um pai orgulhoso que
constatava que seu rebento já estava se tornando um homem!
– Poxa, pai – saindo do
estado contemplativo – só tem uma coisa que eu não entendo! – coçando o queixo,
igualzinho o Afonso fazia quando estava intrigado.
– Diga, Júnior...
– Pô, pai, na real –
colocou a mão no ombro do “velho” como a sinalizar que a pergunta não era por
mal – Você não é rico... Aliás, longe disso! “Sarado” também não é... Lutar
então... Ts, ts... Na única vez que vi você brigar, lembra? Voltou para casa de
olho roxo... E o outro cara nem era tão grande assim! Isso pra não tocar
naquele outro assunto, do tamanho do... – corando o Afonso de vergonha com a
revelação – Por que então a mãe tá casada contigo?
Silêncio. Constrangimento.
Meditação... O Afonso chegou até a sentar novamente, mas somente para recobrar
o equilíbrio momentaneamente perdido.
...
– Fala para ele, Afonso! –
diz o Tigrão, encorajando o amigo.
– É? Será?
– Fala...
– Unrmmm – pigarreou o
Afonso, limpando a garganta – Elas mentem!
– Elas?
– Sim, elas... As
mulheres. Era isso que estávamos tentando lhe dizer... Mentem primeiro para si
próprias, depois mentem para seus homens.
– Mas pai... Por quê?
– Por que nos amam. –
Intervém o Jonja. – Nos amam mesmo que nós estejamos a milhas de distância dos
estereótipos que tanto as seduzem.
– Uma coisa não anula a
outra – confirma o Afonso balançando a cabeça, numa lógica difícil de alcançar.
Nos amam embora sejamos diferentes de tudo que ambicionam.
– E aí está o paradoxo! –
confirma o Jonja, tomando mais um gole de cerveja.
– Parad...
– Paradoxo – diz o pai. –
Elas mentem para nós, seus homens, fingindo não ligarem para nada disso. Mas é
porque, no fundo, sabem que certamente não conseguiríamos conviver com a sombra
de tamanha concorrência.
– Afinal – emenda o Greg –
sempre haverá alguém mais rico, mais forte, mais sarado, enfim, mais “alguma
coisa” do que nós.
– Então... – conclui o
Júnior – elas fingem que não ligam pra tudo isso, e nós, pobres de nós,
fingimos que acreditamos?
– Anrã, isso mesmo!
– Então, como nos amam? Eu
não entendo...
– Nem nós, meu filho...
nem nós!
– Bem-vindo ao time! –
saudaram-no.
– Tonho, mais uma rodada!
– pediu o Júnior, incorporando-se definitivamente à turma.
Jean Marcel-
Escritor, professor universitário, palestrante. É pai de dois
adolescentes. Um leitor voraz. Eclético, escreve contos, crônicas,
romances e infanto-juvenil. Possui o blog brisaliteraria.com
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