Os últimos dias têm sido
difíceis para amantes da literatura
Danilo Venticinque, na revista Época
Perder um ídolo é como
perder um amigo. Todo fã já sentiu essa dor, não importa do que e de quem
sejamos fãs. Mas tenho a impressão de que os fãs de literatura sofrem mais.
Talvez seja da natureza da atividade, que não nos dá tempo para nos prepararmos
para a perda. Torcedores apaixonados começam a experimentar o luto quando seus
ídolos no esporte se aposentam. Quem ama música está acostumado às turnês de
despedida, uma forma humana e lucrativa de preparar fãs e ídolos para o fim.
Não há nada parecido na literatura. São raríssimos os autores que fazem como
Philip Roth e anunciam sua aposentadoria quando ainda têm plenas condições de
produzir. Pelo contrário. Para nossa sorte, a maioria segue trabalhando e
encantando leitores enquanto saúde permite, numa velhice cheia de eventos e
projetos literários. Nossos heróis sempre morrem no auge.
Daí vem a nossa
dificuldade para lidar com dias difíceis como esses. De uma hora para outra não
temos mais João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e, agora, Ariano Suassuna. Nunca perdemos
tanto em tão pouco tempo, e nunca estivemos preparados.
A literatura virou um
assunto triste. Na internet, cada um busca a melhor maneira de homenagear seu
escritor favorito. Frases, fotos e casos tentam resumir o irresumível e captar
em poucas linhas a essência de quem deixou milhares de páginas para seus
leitores.
Além de demonstrar o
carinho dos leitores, essas homenagens ajudam a levar um pouquinho da obra
desses escritores para quem nunca teve a sorte de conhecê-los em vida. É a
única notícia boa nesses dias difíceis para a literatura brasileira. Nunca se
falou tanto em João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna. Mesmo quem
só leu meia dúzia de páginas vira fã, e divulga o trabalho do ídolo para quem
não o conhecia nem de nome.
Há fãs antigos que se
revoltam contra os recém-convertidos. Reclamam que basta um escritor morrer
para que todos se tornem seus admiradores. Que os novos fãs são movidos não
pelo amor à obra do autor, mas pela vontade de participar da comoção coletiva.
Sentem que são um pouquinho "donos" do autor por tê-lo conhecido
antes, e que, por isso, a dor deles é maior do que a da maioria.
Talvez estejam certos.
Cada um lida com o luto à sua maneira. Mas talvez a melhor forma de homenagear
o escritor seja acolher os novos fãs em vez de reprová-los. "Eu sei que
vou morrer, mas meus personagens ficarão todos com vocês", disse Suassuna
em sua última aula. Quanto mais pessoas conhecerem seus textos, mais vivo
estará o autor. Para honrar a memória de um escritor, nada melhor do que
consumi-lo e espalhá-lo. Ler sua obra e cuidar para que ela seja lida.
Além de demonstrar
tristeza por perder um ídolo, é hora de lembrar por que eles merecem tantas
homenagens. Reler nossos textos favoritos, descobrir livros que ainda não
conhecíamos e compartilhar nossas descobertas com outros leitores. Por que não
aproveitar o momento para finalmente criar coragem para enfrentar A pedra do
reino, ou reencontrar o Sargento Getúlio? Quando um grande escritor morre, a
leitura é a melhor homenagem possível. Talvez a única homenagem à sua altura.
Danilo
Venticinque -Editor de livros de ÉPOCA
Conta com a
revolução dos e-books para economizar espaço na estante e colocar as leituras
em dia. Escreve às terças-feiras sobre os poucos lançamentos que consegue ler,
entre os muitos que compra por impulso
Twitter:
@daniloxxv
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