OS HOMENS SÃO DE MARTE...
E É PRA LÁ QUE EU VOU
Sexta-feira à noite. Fui
ao cinema. Sozinho. Infelizmente. A vida está repleta dessas situações
constrangedoras. Não podendo se divertir na companhia de alguém, cabe-nos
mostrar um mínimo de elegância e enfrentar corajosamente os malogros que
protagonizamos diariamente. Sem rir. Ou chorar. Muito. Não há nada mais
complicado do que a tragédia. Quanto mais doloroso for o episódio, mais próximo
da gargalhada estará. Por isso, no dia a dia, restam poucas alternativas. Como
disse um dos personagens de Samuel Beckett: Tente. Fracasse. Não importa. Tente
outra vez. Fracasse outra vez. Fracasse melhor.
Uma das vantagens da arte
– ou daquilo que finge ser arte – é a possibilidade de transferir o contexto
humano para o mundo imaginário, espaço em que os desacertos da vida são apenas
encenações dos desacertos da vida. Ou algo similar. Como se percebe ao assistir
Homens são de Marte... e é pra lá que eu vou, um filme nacional mediano, mas
muito divertido.
O objetivo básico da vida
de Fernanda (interpretada por Mônica Martelli) está relacionado com o amor. Ela
não economiza esforços para encontrá-lo e cai em diversas armadilhas. Uma mais
constrangedora do que a outra. Em consequência, as decepções se repetem
constantemente. Com aquele sabor amargo com que a comédia tempera os desastres.
A baixa autoestima de
Fernanda não permite que o aprendizado seja mais forte do que a carência
afetiva. A perspectiva de encontrar a felicidade – independente de onde ela
possa estar escondida – supera quaisquer obstáculos que por ventura possam
surgir no mar de inocência e romantismo que circunda cada novo relacionamento.
Com sorrisos, simpatia e um inesgotável arsenal fashion, ela se entrega ao
delírio afetivo com impressionante rapidez. Na luta insana por um amor que
possa chamar de seu, vai para a cama com o primeiro homem que aparece em cena.
E pouco importa se o cara é solteiro ou casado, Senador da República ou
milionário da indústria musical, arquiteto carioca ou alemão exilado no litoral
baiano. A possibilidade de qualquer um deles se transformar em Príncipe
Encantado vale o esforço. Infelizmente,...
Infelizmente, uma dinâmica
muito particular coordena os relacionamentos. Ou seja, eles não acontecem por
acidente. Há uma série de circunstâncias empurrando-os. Para cima ou para
baixo. Para frente ou para trás. Algumas vezes em diagonal. Aventuras.
Desventuras. Situações em que a razão desaparece diante da emoção. Pode ser. Ou
não. Por isso, independente desse tipo de desculpa ter algum fundamento, cabe
ter ciência de que não basta jogar na loteria para ganhar. É preciso ter sorte.
Ou o bilhete premiado. Em ambos os casos, isso nunca acontece com quem aposta
todas as suas fichas no número errado. É o caso de Fernanda – que,
ironicamente, é sócia de uma empresa que organiza festas de casamentos.
No jogo de espelhos da
vida, a felicidade não passa de uma miragem. Ambicionando manter a sanidade
mental, Fernanda enfrenta os desacertos com bom humor. E otimismo. Tanto que –
para sair do atoleiro – toma doses reforçadas de vacina contra a mais perigosa
das doenças contagiosas, o medo. Sem tesão não há solução, dizia o psicanalista
Roberto Freire.
Homens são de Marte... e é
pra lá que eu vou cultiva lugares-comuns para mostrar que o amor é patético. E
perigoso. Difícil assistir ao filme sem sentir empatia pela história de
Fernanda. Difícil não se reconhecer como partícipe da aventura amorosa.
Sai da sala de cinema
contente. A vida é divertida – mesmo quando é apenas representação.
Raul
J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008),
publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no
Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional,
segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias
como se fossem uvas”.
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