Quem ama tem um quê de
guarda-costas
Hoje de manhã – diferente
das primeiras vezes em que a levei até o lar dela – eu só consegui me sentir
aliviado depois de tê-la visto fechar, em total segurança, o portão que separa
o Edifício Arminda da parte pública – e supostamente mais perigosa – do mundo.
Após o beijo de “tchau” e antes que ela tivesse tempo para sair do meu carro,
eu fiz a varredura visual dos poucos metros que a separavam da porta para a
qual ela estava prestes a se dirigir – exatamente como faz um guarda-costas
profissional. E, felizmente, não identifiquei elementos suspeitos ou possíveis
ameaças àquela que amo. Mas continuei de olhos arregalados, atento aos mínimos
passos dela e pronto para entrar em ação caso algum meliante, tarado, cão
raivoso, abelha teleguiada, barata voadora ou camelô insistente resolvesse
ameaçá-la. Mas nada ocorreu. Ela apenas fechou o portão de ferro, virou-se para
mim e acenou sem fazer alarde ou descolar o cotovelo do corpo; e, assim que a
luz do farol ficou verde, pude perceber que ela fitou o meu carro até onde a
miopia dela permitiu.
E se está me achando um
baita de um exagerado graças ao que descrevi no parágrafo acima, você, caro
leitor, certamente não ama ninguém e, obviamente, nunca amou. Porque o amor,
irmão, sempre nos torna seres zelosos e extremamente preocupados com o
bem-estar daquele (a) que amamos.
E o meu zelo pela moça que
amo não se limita às vezes em que a deixo em frente ao prédio no qual ela mora;
meu cuidado vai muito além: quando estamos em um show, por exemplo, muitas
vezes, ao invés de olhar para o palco, eu permaneço atento aos potenciais focos
de confusão. E sabe por que eu faço isso? Não faço por mim, óbvio! E sim para
aumentar as chances de conseguir protegê-la caso comece um corre-corre ou um
quebra-pau.
E quando ela engasga (não
pensem besteira!) então? Tirando o uso do vocativo “bem”, que me parece um
pouco antiquado, eu digo as mesmas palavras (“Beba água, bem! Passou? Beba
mais! Passou? Erga os braços! Passou?”) que a minha avó diz ao meu vô que –
mesmo depois de anos de treino – ainda insiste em engasgar em todas as
refeições.
E nas vezes em que ela,
antes de rumar ao trabalho, beija-me a testa e pisa manso para não me acordar,
por amor e só por ele, eu sempre consigo arrumar forças para abrir as pálpebras
e analisar se ela está bem agasalhada e com os cabelos secos. E se ela por
acaso estiver com a vasta cabeleira úmida, com a voz embriagada de quem está
sonado por ter ficado dentro do Netflix até altas da madruga, eu invento: “O
secador de cabelo não atrapalha o meu sono, cabeção!”. E tento, sempre em vão,
voltar ao mesmo sonho. Ou fugir do velho pesado.
É, pensando bem, talvez eu
seja demasiadamente zeloso. Mas, e daí? Se leio as contraindicações dos
remédios que os doutores apressados a mandam tomar, é por amá-la a ponto de não
querer vê-la, em hipótese alguma, sentindo qualquer efeito colateral ruim. Se
displicentemente entrego o meu peito, de bandeja, ao vento gelado da madrugada,
é por não suportar vê-la tremendo de frio. E se fico triste a cada vez em que a
ouço dizer que está sem saco para se cuidar, é, com certeza, por saber que
muito depende também dela.
Se quando a gente gosta é
claro que a gente cuida – como bem diz a música Sozinho – fica bem fácil de
imaginar (mas impossível de medir!) o tamanho do zelo de quem ama.
Fonte:
Ricardo Coiro
Vive entre o soco e o
sopro. Morre de medo do morno e odeia caminhar em cima do muro. Acha que
sensibilidade é coisa de macho e que estupidez é atitude de frouxo. Nunca
recusou um temaki ou um café. Peca todo dia. Autor do livro Confissões de um
Cafamântico.
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