Entrevista
com Antônio Torres
Por Uili Bergamin
Antônio Torres é um dos
maiores escritores brasileiros da contemporaneidade, autor de livros premiados
e traduzidos em diversas partes do mundo. Nascido na pequena cidade de Junco –
hoje Sátiro Dias – na Bahia, radicou-se no Rio de Janeiro, residindo em Itaipava
– Petrópolis.
Em novembro do ano passado,
poucos dias após proferir palestra na Feira do Livro de Caxias do Sul, foi
eleito para a cadeira número 23 da Academia Brasileira de Letras.
Confira abaixo a entrevista
exclusiva concedida à Volare Club, também publicada pelo jornal Folha de
Caxias.
1 – Quem é Antônio Torres?
Baiano e brasileiro,
paulista, carioca, petropolitano e estrangeiro.
2 – Quando e como surgiu sua
vocação para a literatura?
Fui despertado para a
literatura por duas professoras. A primeira, dona Serafina – que ainda vive, já
quase centenária – fazia de sua escola um espaço para recitais de poesia (de
Castro Alves, Gonçalves Dias, Olavo Bilac) e hinos patrióticos. A segunda
chamava-se Teresa, e com ela tive o meu batismo na ficção, ao ler o começo de
Iracema, de José de Alencar, em voz alta: “Verdes mares bravios da minha terra
natal, onde canta a jandaia na fronde da carnaúba”. Talvez tenha sido esse o
dia em que o ficcionista aqui nasceu. Vivendo num sertão onde nem rio havia,
danei a imaginar como seria o mar e a sonhar com ele. Não há como fugir disso:
são as leituras que estimulam as vocações literárias.
3 – Há um tema específico
sobre o qual o senhor escreve? García Márquez dizia que todo escritor elege um
único tema e o desenvolve durante sua obra. O senhor concorda com isso?
Uma vez, na cidade de
Fortaleza, capital do Ceará – a terra natal de José de Alencar -, li, no Diário
do Nordeste, uma bela resenha assinada pelo seu editor de Cultura, Carlos
Augusto Viana, na qual ele dizia que a ficção do locutor que vos fala está
centrada na condição humana em seus contrastes. E que, colhidos ao cotidiano,
meus personagens, à semelhança dos heróis trágicos, “fogem das coisas só para
escontrá-las e delas se aproximam para perdê-las”. O sentimento dessas perdas
talvez seja o mais recorrente nas minhas histórias. A ponto de levar meu filho
Tiago a me questionar: “Pai, por que você escreve tanto sobre a morte?” Parei,
pensei um pouco e lhe respondi: “Porque ela é o maior de todos os temas da
vida”.
4 – Ao ler seus livros,
percebe-se um trabalho de busca pela palavra certa, o le mot just, como diria
Flaubert. Como é seu processo de escrita?
Não chego ao exagero do
poeta João Cabral de Melo Neto, cuja obsessão pela palavra no ponto exato levou
um amigo dele, e meu, o português Alexandre O’ Neill, a exclamar: “O João
Cabral afia tanto a ponta do lápis que vai acabar cortando os dedos!” Mas
também fico horas e horas mexendo e remexendo no texto, num corpo a corpo
insano com ele, sempre a me lembrar de outro poeta, Carlos Drummond de Andrade:
“Lutar com as palavras/ é a luta mais vã/ entanto lutamos/ mal rompe a manhã”.
5 – Em sua trilogia, formada
pelos livros ‘Essa terra’, ‘O cachorro e o lobo’ e ‘Pelo fundo da agulha’, o
senhor descreve histórias de deslocamento social e cultural, vividos pelos
personagens. Eles saem de Junco, na Bahia, assim como o senhor, para tentar a
vida mais ao Sul. Pergunto: o que é fato e o que é ficção em sua arte?
Digamos que há um fundo de
realidade por trás de toda ficção. Por exemplo: a ideia do Essa Terra, que
acabou sendo desenvolvida em três romances, surgiu de um fato real que me foi
contado por um primo: o desfecho trágico de um imigrante da nossa terra que,
poucos dias depois de haver retornado de São Paulo, foi encontrado com o
pescoço pendurado numa corda. Com essa imagem a perturbar o meu sono, pois se
tratava de alguém que conheci na minha infância, a história foi surgindo e
ganhando forma. Já na 26ª. edição no Brasil, o Essa Terra está chegando a 14
traduções, e, em alguns casos, levando junto O Cachorro e o Lobo e Pelo fundo
da agulha. Conto isso para dizer que muito me surpreende o interesse despertado
aqui e lá fora por essas narrativas escoradas num suicídio, um tema assustador.
6 – O senhor foi jornalista
e já publicou livros em diversos gêneros, como contos, crônicas e romances. Em
qual deles o senhor se sente mais à vontade e por quê?
Sim, tenho passeado por
vários gêneros e cenários – rurais, urbanos e da História, como em Meu Querido
Canibal e O Nobre Sequestrador, dois livros baseados em personagens que
existiram – o guerreiro Cunhambebe e o corsário do rei Luis XIV René Duguay-Trouin,
que fez o primeiro sequestro do Rio de Janeiro, em 1711. Ou seja: a
predominância da minha produção é em romance. Logo, esse é o meu gênero de
eleição. Por quê? Vai ver porque vim de um tempo em que se contava longas
histórias ao pé de um fogão de lenha, para espantar o medo, nas noites do
sertão.
7 – Como anda a literatura
brasileira contemporânea? O senhor tem acompanhado o surgimento de novos nomes
no cenário nacional? E os leitores brasileiros, prestigiam autores de casa?
O cenário literário nacional
anda bem animado, com muitos nomes surgindo em tudo quanto é canto, sendo que,
a meu ver, os do Sudeste e do Sul acabam se impondo mais do que os das outras
regiões. Minha sensação, porém, é a de que temos hoje mais editoras do que
livrarias, e mais escritores do que leitores. No meio disso surge um problema
de difícil solução, ou sem solução: a quase total submissão brasileira ao
imaginário global. Do jeito que a coisa vai, com a gringada tomando conta do
pedaço, nós é que vamos nos tornando os estrangeiros em nossa própria casa.
Como querem os traficantes de drogas, está tudo dominado.
8 – Está trabalhando em um
novo projeto? Se sim, pode adiantar algo?
Há um romance em processo,
que tem sofrido brutais interrupções. Mas não posso adiantar nada sobre ele, se
não o perderei definitivamente.
Drops
Um livro: “Memórias póstumas
de Brás Cubas”.
Um personagem: Brás Cubas.
Um autor: Machado de Assis.
Um sonho: escrever. Sempre.
Uili Bergamin-Nasci
em Bento Gonçalves e ainda criança mudei-me para Cotiporã. Já adulto,
estabeleci-me em Caxias do Sul, onde venci inúmeros prêmios literários,
nacionais e internacionais. Sou autor de seis livros: "O Sino do
Campanário" (contos), "Cela de Papel" (novela), "Do Útero do Mundo"
(poesias), "A Ilha Mágica" (juvenil), "Contos de Amores Vãos" (contos) e
"Tetraedro" (crônicas) em parceria com mais três autores caxienses.
Também escrevo para a Revista Acontece Sul, onde indico bons livros e
colaboro para jornais da região.
Um comentário
No leo bien el portugués, pero igual aprendí sobre el autor y me resultó sumamente interesane la entrevista.
Cordial saludo
Betty Badaui
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