Hibíscos
Rafaella Elika Borges
Com o meu queixo magnetizado
pelo ombro, virei o rosto e fabriquei lágrimas escrupulosas e cheias de
dúvidas, hesitei em deixar caí-las e depois ser chamado de maricas pela sétima
vez aquele dia, com os olhos embaçados vi meu cubículo ser fechado. Confesso
que senti minha esperança ser delicadamente rareada naquela hora, olhei para
baixo e vi minhas mãos, calejadas, usadas e agora juntas, atadas pelo pejo,
igualmente estavam os meus pés, atados.
Mal podia andar por ter sido
mau, sem direito, sem família, sem nome, sem absolvição.
Foi aqui que eu realmente
acreditei que só um Deus oferece a remissão dos meus pecados e ainda acho que
não mereço.
Dei o primeiro passo depois
de ouvir o ecoar pelo resto do corredor da chave que rodou no buraco da grade,
dei o segundo passo depois que fui puxado por mãos ásperas e indiferentes, mãos
brancas como a neve, que encobertas se tornavam vermelhas como hibiscos, as
minhas suavam, as dele esperavam para suar. Minhas sensações eram inconstantes
e meus pensamentos frívolos, como as mãos que me guiavam ao fim do corredor.
Do meu terceiro passo ao
quarto olhei para os lados e vi a espera em cada espaço, nos olhos, nas pernas,
nos braços, cada um mostrava como podia, tremiam, escureciam as pupilas e
tentavam não clareá-las novamente, molhavam os lábios e rezavam, alguns apenas
olhavam para baixo tentando canalizar o medo que já era visível a outros olhos,
vi de todas as reações, mas tenho certeza de que não vi calma nem esperanças,
estavam rareadas como as minhas.
O laranja contrastava o
cinza da minha vida, minha rotina e meu espaço. O chão, paredes, olhos e
corpos, eram todos cinzas, todos ali como eu, tinham um destino certo que se
pudessem mudariam no passado, como eu quis mudar ao dar meu quinto passo,
sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo.
O sal caiu, e fez arder as
feridas do meu rosto, da minha consciência, fez arder a garganta e cambalear
minhas pernas frígidas, fui suspendido com a raiva de alguém que só queria
fazer seu trabalho e não ter responsabilidade pelo medo de ninguém.
Naquela hora eu quis
ajoelhar e voltar no tempo, mas não podia.
Ao dar o décimo primeiro
passo, eu olhei para a esquerda e vi o cárcere do pátio onde eu passava um
tempo da minha vida pelas tardes, pensando ou querendo pensar para sair da
realidade, depois olhei para a direita e vi uma janela pequena no fundo do
outro corredor que aos poucos clareava meus olhos, essa foi a última vez que vi
uma janela tão bonita, uma janela tão... quadrada, tão cheia de vida lá fora,
esperando para ser aberta e apreciada, mas ninguém tinha tempo para isso e
naquela hora, eu digo que prometi a mim mesmo que se saísse dali, eu apreciaria
todas as vistas de quaisquer janelas que visse em minha frente.
Pedi às lágrimas que se
agarrassem nos cílios aquele momento, eu não podia chorar, já havia derramado
minha alma demasiadamente aquele dia.
Ao décimo segundo passo, vi
mais pânico e promessas e cada hora que eu prosseguia isso aumentava, e ficava
mais difícil de andar, a realidade me puxava para frente enquanto a culpa me
empurrava por trás. Dei meu décimo terceiro passo e parei para observar minha
própria respiração.
Como eu fazia isso há tanto
tempo e tão inconscientemente? Tão involuntário.
Por que viver é algo tão
involuntário? Tão bonito? Tão bom? Tão... diferente.
Respirar se tornou tão
gostoso naquele passo, piscar se tornou estranho, sorrir se tornou uma
oportunidade e viver se tornou uma vontade.
Levei o pé esquerdo para
frente, formando assim meu décimo quarto passo, cheio de mim, de orgulho e
prazer por ter descoberto em pouco tempo o valor da vida.
Olhei para o lado esquerdo e
vi uma cruz pendurada na parede, de madeira e bem antiga, observei-a e senti
naquela hora a ablução de uma alma que sempre pediu por remissão, mas nunca
achou que teria uma chance.
Parei em frente àquela porta
grande e intimidadora que naquela hora se tornou pequenina e cheia de motivos
para enfrentá-la, abriram-na para mim e eu entrei no décimo quinto passo,
depois dele dei mais três e sentei em uma grande cadeira de metal que estava
molhada, de medo talvez, de choro, suor.
Eu não sabia, mas aquela
hora eu fechei os olhos e me portei como rei, prenderam meus braços, prenderam
minha pernas, me colocaram uma coroa e lavaram meus pés com uma bacia que
parecia conter lágrimas.
Levantei a cabeça e deixei o
sangue correr pelas veias, fixei as pupilas na palma da minha mão e pedi perdão
por ela.
Olhei para cima.
E dormi.
Havia mais homens para descobrir
o que eu descobri em dezoito passos.
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