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Desenho de Jillian Tamaki
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Como se os outros não
existissem
A grande maioria das pessoas
ficam ricas porque trabalham arduamente perseguindo esse fim, porém ao longo do
trajeto, são efetivamente favorecidas pela legislação brasileira que adula os
bem sucedidos. São estas as pessoas que
mais se beneficiam do sistema político e atuam dentro da lógica capitalista de
que uma indústria orientada para o lucro não investe absolutamente em produtos que
as pessoas não possam pagar.
Privilegiados ou não, não
devemos ignorar as realidades que se desvelam a nossa volta. A cidadania
engajada é uma ferramenta essencial para a criação de um mundo melhor. É muito
fácil ser indiferente e irônico e conceber o processo democrático como algo
pronto, dado.
Mas não é bem assim. Precisamos compreender as
tendências globais para apoiar legislações que criam infraestruturas duradouras
de paz e abordam as causas da violência, a situação da pobreza que castiga
centenas de crianças, os idosos desassistidos, as pessoas sem abrigo, a
violência contra as mulheres, o preconceito, os migrantes.
O aumento das desigualdades,
o distanciamento entre países pobres e ricos enfraquece a confiança no futuro,
sobretudo pelo uso perverso do dinheiro para alimentar a modernidade efêmera,
onde as pessoas menos favorecidas não existem nas prioridades dos homens ricos
e influentes. Um exemplo? O Ebola. A doença surgiu há 40 anos, mas como a
doença está confinada a países africanos pobres, não há incentivo para a
produção de vacinas ou medicamento eficaz. Não vão gastar dinheiro enquanto
somente os africanos se infectam. O que vão fazer? Isolar a África.
Já faz certo tempo estamos
hospedando muitos imigrantes. Indivíduos cuja língua não falamos, desconhecemos
a cultura e a quem geralmente olhamos com desconfiança e acusação silenciosa de
que vivem às nossas custas e estão a roubar nossos empregos. São biólogos,
técnicos de informática, auxiliares administrativos que falam 4 idiomas e
trabalham como ajudantes de pedreiros. A
não valorização do conhecimento dos imigrantes haitianos é explicitamente
entendida como indiferença, movida pelo preconceito étnico.
A primeira cirurgia
reparadora para mulheres vítimas de violência foi realizada na capital, num
projeto com apoio do governo e poucos parceiros privados, embora tenhamos uma
vasta lista de renomados cirurgiões plásticos operando nos hospitais
particulares da cidade. D. Eliane, operada semana passada, foi vítima de
queimaduras no rosto e pescoço pelo ex-companheiro e amanhã, quarta-feira D.
Isaína será operada para reparar as cicatrizes no abdômen, onde recebeu uma
facada do parceiro. Há uma centena de mulheres na fila. Essa é a dimensão de
alguns problemas sociais que merecem sofrer a interferência saudável do
empresário privado. A acumulação de riqueza não pode cegar e gerar um
sentimento de narcisismo de propensão ao egoísmo delirante, que confirma o
fluxo incessante de dinheiro correndo em sentido oposto aos cidadãos mais
vulneráveis.
Olga Borges Lustosa é cerimonialista pública e acadêmica de Ciências Sociais pela UFMT e escreve exclusivamente no blog do Romilson toda terça-feira olga@terra.com.br
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