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ILUSTRAÇÕES MARCO CARILLO |
Meus amigos líquidos
Com quase 1,5 bilhão de
usuários em todo mundo, o Facebook se consolida como a maior comunidade virtual
já existente. Ela abre janelas para estranhos, possibilitando interações que,
muitas vezes, não aconteceriam fora da internet. Mas faça um balanço: você
realmente conhece os frequentadores da sua página? Interage com todos que estão
lá? Acha que vale a pena adicionar desconhecidos?
Há diversos lugares
convidativos para uma conversa descontraída. A mesa de um bar, a praia ou um
gramado são apenas algumas das opções. Mas Aline e Marcio optaram por um local
bem menos aberto. No caso deles, a “comunidade” que os une permite que eles se
comuniquem sem sair de casa. O contato, há um ano e meio, é por meio de
mensagens privadas no Facebook. Ela é professora e mora no município de Rio das
Ostras. Ele é conferente em uma transportadora, em Macaé, conhecida como a
‘Cidade do Petróleo’. Eles vivem em municípios vizinhos, ambos no Estado do Rio
de Janeiro, mas nunca cruzaram a divisa para ficar frente a frente. E não há
outros planos. Por enquanto, a rede social é o único ponto de encontro.
A empresa do norte-americano
Mark Zuckerberg se transformou na maior comunidade virtual do planeta. Até a
última conta, o site abrigava 1,34 bilhão de usuários no mundo todo. No Brasil,
são 89 milhões de conectados. Assim como o Facebook, as redes sociais diferem
das mídias tradicionais pela possibilidade de interação e do compartilhamento
de informações, vídeos, fotos e de outros interesses entre os usuários. Elas
contribuem com a quebra de barreiras de tempo e espaço, possibilitando
interações, e, inclusive, abrindo janelas entre estranhos. Mas aí está a
questão: essa amizade social pode mesmo ser chamada de comunidade? Você, por
exemplo, conhece todos os frequentadores de sua página? E já aceitou uma
“amizade” online ao seguir a indicação do site, mesmo sem saber quem a pessoa
era?
RELAÇÕES LIMITADAS
Em 1992, o cientista
britânico Robin Dunbar analisou a parte pensante do cérebro dos primatas para
estudar as relações sociais. A teoria do cientista, conhecida como ‘número de
Dunbar’, mostra que o ser humano só consegue se relacionar com 150 amigos.
Outra questão ligada à mente
humana é apresentada pela coordenadora de Neuropsicologia da UFRJ, Cristina
Wigg. A psicóloga chama a atenção para uma nova percepção de mundo imposta pelo
Facebook: a importância das experiências fora do ambiente virtual a partir do
momento em que o cérebro capta as informações por meio do que vemos, ouvimos,
falamos, tocamos e sentimos. “Com as redes sociais, nosso cérebro constrói uma
realidade virtual que nem sempre representa o real, e isso pode ser devastador
ao longo dos anos, não só no que diz respeito às relações de amizade, mas ao
que nos tornaremos como indivíduos e seres pensantes.”
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ILUSTRAÇÕES MARCO CARILLO |
A jornalista Pollyana
Ferrari, autora dos livros A força da mídia social e No tempo das telas,
recorre a um dos pensadores mais respeitados da atualidade: “Como diz Bauman,
tudo é líquido; sólido é um conceito que anda em xeque no Facebook”. Ela se
refere ao livro Amor líquido, no qual o sociólogo Zygmunt Bauman caracteriza a
liquidez como a superficialidade das relações modernas – em que nada dura – em
consequência da globalização e dos impactos das tecnologias de informação.
“Toda essa facilidade nos coloca na chamada ‘zona de conforto’, que nos dá a
falsa impressão de que estamos protegidos. Já saí várias vezes do Facebook e
volto porque, como educadora, às vezes, é o único contato a que os alunos
respondem.” A autora ainda observa que “a maior rede do mundo perdeu o
estranhamento; não existe mais ficar à deriva, fundamental no ciberespaço;
apenas olha-se no espelho da espetacularização, pelo menos por enquanto. E
quando apenas nos olhamos no espelho, não dialogamos, falamos sozinhos”,
comenta.
“A rede social traz uma
armadura. É como se falasse não com a própria pessoa, mas como se eu estivesse
falando com a minha fantasia, com um espelho meu, mas com um espelho que
tivesse certa autonomia, um sujeito que me falasse umas coisas diferentes e não
só a repetição do que estou falando”, explica o psicólogo Antônio Carlos
Júnior, que mergulhou no mundo do Facebook e de outras redes sociais para elaborar
uma pesquisa sobre o comportamento dos desempregados na época das mídias
sociais.
Um conceito ajuda a
compreender a distorção das emoções e da superficialidade no mundo virtual. “Os
relacionamentos na internet se tornaram mais superficiais não por causa da
internet, mas por conta de outro fenômeno que chamamos de personalidade
eletrônica. São características exibidas sempre que tenho uma relação virtual:
o indivíduo é mais solto, é mais liberal, é menos moralista, é mais
insubordinado; características que começam a fazer parte dessa relação e,
portanto, criam uma relação diferente, e, talvez, a falta de cuidado seja um
dos elementos mais comuns”, alerta Cristiano Nabuco de Abreu, psicólogo e
coordenador do grupo de dependência tecnológica do Hospital das Clínicas de São
Paulo.
Além do rebaixamento do grau
de censura, a sensação de anonimato também colabora para o florescimento dessas
relações, conforme observa a psicóloga Rosa Farah, coordenadora do Núcleo de
Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC de São Paulo. “Em que medida o
uso que estou fazendo está enriquecendo a minha vida presencial ou
empobrecendo? Está trazendo benefícios ou me limitando? Seria uma análise
essencial que cada um deveria fazer”, recomenda a psicóloga.
No fim do século 20, o
francês Pierre Lévy – um dos grandes pensadores contemporâneos da cultura
cibernética – já alertava “que o sofrimento de submeter-se à virtualização sem
compreendê-la é uma das principais causas da loucura e da violência do nosso
tempo”. No livro O que é o virtual?, ele explica que o virtual existe em potencial, mas lhe falta a
existência, portanto, é real, mas não atual.
As complicações diante de
uma comunidade digital integram o mundo. No ano passado, 300 usuários que
enfrentaram problemas nos contatos virtuais pediram ajuda ao grupo de
orientação psicológica do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da
PUC- SP. “Há uma grande necessidade de orientação por parte das pessoas de como
se situar nesse ambiente novo, que ao mesmo tempo é muito fascinante”, diz Rosa
Farah, a coordenadora do núcleo.
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