NADANDO DE VOLTA PARA CASA
Alguns livros remetem a uma
incerta familiaridade, a sensação pouco sólida que acompanha o déjà vu – talvez
porque a referência básica esteja envolta em uma nuvem de indeterminação. Esse
é o caso de Nadando de Volta para Casa, romance curto (159 páginas) da
sul-africana Deborah Levy – atualmente residindo em Londres – e que parece repetir uma história vista em
outro lugar, mas que poucos conseguem identificar.
Joe Harold Jacobs, nascido
Jozef Nowogrodzki, em Lódz, na Polônia, em 1937, chegou à Inglaterra com cinco
anos de idade, quase morto de inanição e com documentos falsos. O resto de sua
vida não é muito difícil de prever, as cicatrizes do exílio se pronunciando
diariamente nos poemas que ele escreve.
Durante as férias, a família Jacobs (Joe,
Isabel, Nina), na companhia de um casal de amigos, Mitchel e Laura, aluga uma
casa na França. O ponto de combustão da crise ocorre durante um desses momentos
que estão abrigados no imaginário burguês.
A botânica Katherine Finch,
mais conhecida como Kitty Ket, surge em cena como uma espécie de anjo da
anunciação. Alegando ter havido erro na reserva que fez para se hospedar na
casa, durante o verão, acaba acolhida pelos inquilinos oficiais. Na bagagem
traz uma cópia de um poema, Nadando de Volta para Casa, que entrega para Joe
Jacobs – esperando que o poeta emita um parecer sobre a qualidade dos versos. O
que ela quer é outra coisa, mas isso só se torna público nas últimas páginas da
narrativa.
A presença inesperada da
mulher que adora tomar banho de piscina completamente nua e que deixou de tomar
os antidepressivos que lhe foram prescritos pelo profissional competente, serve
de alavanca para dar visibilidade a diversos segredos domésticos, Casais
estavam sempre loucos para voltar à tarefa de tentar destruir seus parceiros
enquanto fingiam estar agindo para o bem deles. O ambiente familiar, que
parecia seguro, imune às avalanches emocionais, transforma-se em cenário de
desconforto,(...) era como ter um pequeno caco de vidro enfiado na sola do pé,
sempre lá, um tanto doloroso, mas [era necessário] conviver com ele. Ao longe,
Madeleine Sheridan, a médica que mora na casa vizinha, observa a tragédia, sem
poder intervir ou ajudar as vítimas.
Com uma estrutura
descontínua, próxima do fragmentário, embora em ritmo quase linear, o texto vai
deslizando, a cada capítulo, na direção da elucidação de algumas das pontas
soltas que se multiplicam pela narrativa. Como diz Kitty Ket, A vida só é digna
de ser vivida porque temos esperança de que vai melhorar e de vamos chegar em
casa sãos e salvos. O que poucos percebem é que – muitas vezes – não há
salvação. E a “casa” é apenas uma ilusão de ótica.
Com o passar do tempo e da
leitura, o que parecia ser apenas uma história banal de infidelidade conjugal
encontra eco no axioma proposto por Albert Camus, Só existe um problema
filosófico realmente sério: o suicídio. Sem muita demora, o imediato corolário
ao postulado existencialista surge em uma das frases proferidas por Kitty Ket, – O importante não é morrer. É a decisão
de morrer que importa.
Nas últimas páginas, quando
não há mais possibilidade de modificar os fatos, surge o efeito entorpecedor da
banalidade das historias de amor que estão destinadas à infelicidade: Ele
estava dentro dela agora, mas ele estava dentro dela de qualquer maneira, foi
isso que ela não conseguiu dizer a ele, mas ela havia dito isso a ele em seu
poema que ele não lera.
Raul
J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008),
publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no
Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional,
segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias
como se fossem uvas”.
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário
Postar um comentário