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Homem que faz bolo [Celso Sisto]

Ilustração Celso Sisto
Homem que faz bolo


Celso Sisto

Fui uma criança muito magra! E morria de vergonha das costelas que gritavam mal eu tirava a camisa. Mas nunca dei trabalho para comer. Comia de tudo, mesmo! De bife de fígado à miolo à milanesa! Isso mesmo! Miolo à milanesa... Quando descobri depois, já adulto, que aquilo era cérebro de boi, nunca mais consegui nem pensar na tal iguaria! Mas na infância eu adorava! E as cantinas italianas servem-no até hoje como tira-gosto, acompanhado de muito limão. E há uma infinidade de pessoas que gostam muito.

Assim como o nosso cardápio vai mudando à medida que crescemos e nosso paladar vai se aprimorando, nossas aproximações com a cozinha também passam por alterações. Na minha adolescência nunca fiz nada. Que vergonha! Não lavava nem um copo! Depois quando saí de casa para morar sozinho, descobri que eu podia fazer todo o tipo de comida. Na primeira vez que minha mãe foi jantar na minha casa, ficou surpreendida com o banquete e quis logo saber: 

- Meu filho, onde você aprendeu a fazer tudo isso? 

Prontamente respondi: 

- Só de comer as comidas que você fazia, mãe! Vendo você fazer uai! (pra reforçar a minha ascendência mineira!). 

Era exatamente isso: eu sabia fazer tudo o que ela fazia, só por ter comido um dia os pratos que ela nos servia lá em casa. Mas claro, sou um daqueles cozinheiros que precisa de receita pra tudo! Não decoro nada, mesmo que tenha feito mil vezes! Mas descobri o prazer de ver a comida aparecendo, ganhando cor e sabor na medida em que me entrego a ela.  Meu maior pecado é que sou exagerado e gosto de quantidades! Ah, e também gosto do que eu faço, o que é quase sempre um caminho seguro para o aumento de peso! Yes! 

Mas sou um cozinheiro apressado. Explico: gosto de fazer coisas que são mais ou menos rápidas no preparo. Faço bagunça, sujo tudo, mas o resultado final é bom! Ainda bem! Só não gosto de cozinhar todos os dias, talvez por isso, sempre aposto que vou gostar de comer aquilo de novo, no dia seguinte... mesmo que transformado! É a sina dos que vivem correndo! 

Pra quem ficou curioso, o meu primeiro prato certamente foi um estrogonofe de frango, para, digamos, me familiarizar com os apetrechos e tempos da cozinha. Hoje, o que mais gosto de fazer são bolos salgados! Bolo de calabresa, bolo de palmito com azeitona, torta de camarão. E alguns doces de festas (Ai, adoro tudo que leva coco!). Porque também é preciso adoçar os sonhos.  De preferência, muitos sonhos! E muitos doces! 

Pois não é que dia desses, agoniado entre um texto que precisava acabar de escrever e a falta de paciência, fui fazer um bolo-pão-de-queijo para o lanche, que virou pretexto para o exercício da minha gula? Já fazia tempo que não preparava o tal bolo que eu adoro! Postei a foto. E choveram  comentários. 

Recebi até proposta de casamento: 

- Ah, não, ele faz bolo também?! Quer casar comigo? (risos) – perguntou-me a Lelé. 

Rapidamente respondi que sim... mas, que provavelmente seria preso por bigamia (risos). 

Claro que a brincadeira é saborosa e nos deixou contentes. Mas, pensando melhor, esse tipo de espanto é ainda (e muitas vezes) resquício de um certo machismo. Foi-se o tempo em que a cozinha era território eminentemente feminino! Embora a história da gastronomia aponte para um território masculino e as chefs mulheres fossem raras, até bem pouco tempo, há uma diferença grande entre uma cozinha caseira e uma cozinha industrial, entre cozinhar para a família e assumir com a tarefa um empreendimento em nível empresarial.

Será que é essa explicação para a diferença de gênero nas cozinhas? A mulher na cozinha de casa, o homem na cozinha da rua?! Em todo caso, devo avisar logo: não tenho nenhuma vocação para comercializar os meus bolos, feitos entre um poema e uma crônica. 

Enquanto penso no caso, vou embarcando na mistura da literatura com a culinária, como um entreposto em que se aprende a condimentar as palavras. E lembro-me de imediato, dos poemas que li recentemente no livro “Diário da montanha”, de Roseana Murray. No poema “André na cozinha da floresta” a autora fala de seu filho e de sua “nova geografia de sabores” quando “transforma ingredientes em poesia para comer”.  No poema “Dani Keiko na cozinha da floresta” ela menciona como sua nora ilumina “os pratos que fabrica, como se preparasse feitiços de amor”. 

Pois conheço um outro mago da cozinha que é bem assim. O Carlos tem esse toque de carinho extremo que transborda dos pratos que ele prepara. Tem essa forma poética de fazer-se memória gustativa, afetiva, contemplativa, cooperativa, pró-ativa com seus banquetes inigualáveis, porque alimentam o coração, o imaginário, acendem luas e estrelas e espalham o perfume da sua bondade. E ao redor, tudo também se ilumina de um outro jeito, se aquece de modo lustroso, se curva em agradecimento quase coreográfico. 

Quem disse que lugar de homem não é na cozinha?! 

Fonte: 
http://celsosisto.blogspot.com.br/


Celso Sisto é escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá (RJ), ator, arte-educador, crítico de literatura infantil e juvenil, especialista em literatura infantil e juvenil, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e responsável pela formação de inúmeros grupos de contadores de histórias espalhados pelo país.

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