AS MULHERES POETAS NA
LITERATURA BRASILEIRA( 38ª POSTAGEM)
LUÍZA MENDES FURIA(1961)
poeta paulista, jornalista e tradutora. Publicou seu primeiro livro ainda
menina, com 16 anos: Madrugada e Outros Poemas (1978). Participou de diversas
antologias coletivas e tem poemas em diversos jornais e revistas. Outros livros
de sua lavra: Inventário da Solidão (1998) e Vênus em Escorpião(2001).
POEMA-1
Esculpir conchas
tão delicadas
e diversas
é um segredo do mar
e dos moluscos.
Fazer versos
como quem esculpe conchas
um desafio interminável
ininterrupto.
XXI
Tua língua
é chama e pétala
na minha boca
Uma orquídea
rósea e fulva
se alastra no meu ventre
Selvagem e pura
no meu corpo
te enraízas.
....................................................................
Deus é o Poema
que todo dia não lemos
Todo dia avançamos
uma página
e outra começa
assim que a noite se cala.
Deus canta
e um pássaro salmodia.
Ensurdecidos passamos
em meio a esta babel de
algaravias.
Ele escreve certo
por linhas tortas.
O texto está em ti.
INFÂNCIA – 3
Porque tudo na vida é
passado
rebusco-te nas fotos da
infância
o vestidinho pregueado
alguma trança
que se desfez ao vento
cariciando seus cabelos
frios
Porque agora é também ontem
habitando esparsas latitudes
em contração e espasmo o
pensamento
delineia a sempre mesma
busca
Ainda hoje um raio claro
povoou teu rosto,
fragmentou-se em sombras
efêmeros detalhes
e em teus olhos se firmou
como um sorriso frágil
a serenar-se em fugaz
arquitetura
Revisito tua imagem
cotidianamente
e assim o meu amor se
expande
em tessituras de voo e
altura
Porque o passado
é um presente que perdura
PAULA GLENADEL (1964) poeta
carioca, é professora de literatura francesa na UFF. Teve poemas publicados em
antologias no Brasil e Exterior e textos críticos em jornais e revistas.
Publicou três livros: A vida espiralada (1999), Quase uma arte (2005), A
fábrica do feminino (2008).
CRISÁLIDA
Agora já não pedes
meus nervos em pasto
agora já te afastas
crescida em beleza
agora me contas piadas
que aprendes ou inventas
agora pressinto tuas asas
QUASE UMA ARTE
grande amor tenho por seus
membros
ombros pescoço braços pernas
o viril
mais forte do que tudo
a mão que estendo sem cessar
parece que pede mas oferece
nada ou quase uma arte:
joga nos dados
o olho por olho
o dente por dente
O OUTRO, O MESMO
é do outro, ventríloqua
a voz que articulo mal
flui de mim, vampirizada
uma seiva que não volta
em lugar da epifania
entra a aparição
sobe ao palco
o outro, o indesejado
nem vivo nem morto
vestido com minha pele
mesmerizada
AÍLA MARIA LEITE SAMPAIO (1965) poeta cearense, é
professora universitária. Desde adolescente participa de movimentos literários.
Escreve contos, crônicas, poemas e ensaios, que vem publicando esparsamente em
jornais, revistas e blogs. Publicou dois livros de poemas: Desesperadamente Nua
(1987) e Amálgama (2001)
SEPARAÇÃO
Deixo teu corpo
como quem deixa a pele
e em carne viva
se expõe ao sol.
Como o filho que deixa a
casa,
deixo teu corpo em silêncio
sem itinerário e só.
Deixo teu corpo
como quem abandona
o cais e perde-se
mar adentro
sem medo de não voltar.
Como quem naufraga,
deixo teu corpo
e minha alma nele
nua a dardejar.
Como quem se mutila,
deixo teu corpo
como quem deixa a vida.
AUSÊNCIAS
O que me habita é feito de
ausências:
a casa perdida nos abismos
da memória,
o amor feito lembranças do
que poderia ter sido,
a criança que insiste em
rasgar
o tecido do tempo em que
borda sua história.
O que tenho são metades,
nunca inteiros.
Sou feita assim, dessa
argamassa vil dos crédulos
que sonham sem medo dos
interditos e dos desesperos.
NUNCA MAIS
Jaz teu corpo.
Nunca mais tua boca
fará de mim teu alimento.
És um homem morto.
Nunca mais tuas mãos
tocarão meu corpo;
nunca mais nossos olhos
se beijarão em silêncio.
Só o tempo nos unirá um ao
outro
quando enterrados estivermos
na indiferença, no
esquecimento.
EM OUTRO TEMPO
Há em mim uma casa
desabitada
perdida no abandono dos
ventos
que sopram sem direção
há portas que batem
silenciosas
atrás de um adeus sem data,
lágrimas nas paredes
retintas
e trancas enferrujadas nos
portais
há hera entranhada nas
vigas,
nos muros e em minha alma,
fechando porteiras,
lacrando janelas
misturando-se ao musgo
que no jardim cresceu.
Há em mim um silêncio quase
sagrado
e a memória de um tempo que
não é o meu.
CARMEN MORENO (19 ) poeta e escritora carioca, recebeu prêmios
em diversos gêneros literários. É contista, romancista, poeta e dramaturga.
Está presente em diversas antologias e participa de recitais desde a década de
80. Publicou De Cama e Cortes (1993) e Lojas de Amores Usados (2010).
AMPARO
Meu pai e sua cela
Cotovelos cravados no
mármore: vislumbrava o já visto.
Vistas revistando a vida
como um inspetor insone.
Nos ombros, o norte o não e
a culpa.
Meu pai: calvície e
calvário.
Frases verticais: chicotes
sobre minhas certezas.
Meu pai morava no desamparo.
Sorte que a casa amparava
sorrisos nas frestas da cal -
Nas tréguas do caos.
E havia alegrias resistentes
nos cantos dos quartos, nas rosas das janelas...
E havia o movimento dos
irmãos,
E as mãos da mulher partindo
pedaços de pão
Para não perdermos o
caminho.
E havia a vida, avessa à
loucura, sendo urdida para nós,
Por minha mãe.
CARÍCIA OU DESAMPARO
Pedra ou ponte entre nós,
a palavra costura, ou
aparta-me do próximo.
No papel, deitada sobre a
página,
deflagra-me o Universo.
O meu e o do outro.
No livro, a palavra não é
ímpeto,
como no improviso da fala.
No livro, revisada,
escolhida,
oferece-me apenas o perigo
da beleza.
Que já é bárbaro!
O perigo de me impelir à
ousada viagem de ver.
Ver-me, ver aquele que me escreve,
ver aqueles que são criados por quem me
escreve.
O perigo de ver os mundos
fervilhados nas folhas...
E não ser mais a mesma.
No livro, a palavra só
ameaça
porque me convida a sair do
lugar - a mover-me.
A palavra, estirada na
página,
só pode me oferecer o risco
do vôo.
E o risco de toda viagem,
por mar, terra ou verbo, é
sempre o vôo.
Portanto, a palavra burilada
do poeta,
a verve vertida em sílabas,
do escritor,
é sempre bem-vinda, mesmo
quando ameaça.
Sobretudo quando ameaça!
É brinquedo, mesmo quando
bélica.
Plástica, mesmo quando
revela a feiúra do mundo.
Salvadora, mesmo quando
mata.
A palavra, pregada nas
páginas dos livros,
em aparente imobilidade,
está viva.
Contudo, proferida, às vezes
agrupa-se tão ágil
que não há tempo de
retocar-lhe o rosto.
E a verdade brota, abrupta.
E a mentira enfeita-se,
convicta.
Quando proferida, sua ameaça
tem natureza diversa
da que deleitamos no leito
da página.
Falada, a palavra
encorpa-se, cálida ou bélica.
E é carícia ou desamparo.
No entanto, uma vez
expelida,
segue seu curso reto, irrevogável.
E atira, sem revólver, talha
sem sangue...
mata sem vestígios.
Mas também tem o poder de
socorrer,
com sua saliva salvadora,
qualquer um de nós que, na
dor,
encontre alguém com o dom de
usá-la como abraço.
Qualquer um de nós
que saiba valer-se de sua
sonoridade
para adoçar a língua e
salvar alguém.
Para salvar-se.
A palavra quando fala,
expulsa da boca um corpo
invisível.
Quando fala, a palavra é
carne, é gesto.
Mas quando cala, também é
forma viva.
Disfarçada de silêncio, no
fundo do pensamento,
às vezes grita seu medo de
exprimir-se, parir-se.
Grita seus segredos, seu
lixo orgânico e suas benfeitorias.
Viva, no caos do pensamento,
a palavra inventa o futuro,
retoca o passado, e ensaia o
presente - para vivê-lo.
Mas neste trajeto do falar
ao ouvir,
pode gerar breu ou brilho,
conforme o berço preparado
para acolhê-la.
Quem ouve é sempre co-autor
do que é dito.
A tradução de quem ouve,
seu universo de significados
e imagens,
sempre ajuda a escrever paz
ou guerra.
No entanto, há de chegar o
dia em que,
libertos de escrúpulos e
medos,
domados pelo afeto,
usaremos bem mais a palavra
como beijo
AINDA
Dizer urgente do amor
Ao amante
Antes que se quebre
O tempo
E os ouvidos –
Dissolvidos na terra
Não apreciem mais
A carícia das sílabas
Antes que as mãos
Tímidas de dar
Cessem de vez
Os movimentos
E todos os gestos
Virem ossos
Dizer urgente ao amigo
O valor do vínculo
Que só o amigo costura
Só o amigo cozeduras
Cozimentos cerziduras
Que só o amigo estanca
Os sangramentos
Dizer urgente do amor
Sem resistências
Antes que a língua
De súbito se cale
E o amor –
Preso por reticências
Maledicências
Medos mágoas
Role pelos ralos
Antes que o amor
Quedado pela foice
Faça da palavra não dita
Eterno açoite
DESTINO
O morto não mora onde o
corpo se expõe
No último traje
Não cessa ali - sob o
assédio dos olhos na caixa fria.
Jaz, na derradeira vitrine
do rito,
Apenas a casca oca
(que seus sonhos e medos já
não guarda).
Inútil pranteá-lo, em flores
e confissões,
Na masmorra de mármore.
Sob a lápide, apenas pele e
destroços.
Sua dor volátil migrou para
o invisível, rumo ao sol.
O morto não mora no ossário,
Na urna de cinzas prometida
ao mar,
Nos tesouros que guardava,
No quarto que o aguardava.
Não cessa no tiro, no corte,
Ou quando, amorosa, a morte
o elege
No sossego da noite.
O morto não morre.
Rubens Jardim,
67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e
trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil.
Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas:
ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008).
Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80
anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos
Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan
Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos
conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento
CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o
lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os
lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília
(2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional.
Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E
participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do
Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas
publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do
Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
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