Quer comer uma pizza comigo?
por Eduarda Costa
Não seja leviano, Meu Amor.
Pense duas, três, oito vezes antes de responder a esse convite. Não estou te
chamando para empunhar meia dúzia de chopes e jogar conversa ao seco num boteco
chinfrim da Consolação. Muito menos para se engasgar com o preço das garrafas
de Pinot Noir acompanhadas de comidas frescas embebidas em redução de balsâmico
nos Jardins. Não estou te convidando para um cineminha à toa. Não é um passeio
no parque, uma ida ao Shopping, um final de semana na praia ou um churrasco na
casa dos amigos. Não estou te convidando para conhecer meus pais, meus
padrinhos ou os meus tios. É coisa séria. É uma pizza, Meu Amor.
Eu sou paulista. Paulistana.
Das brutas. Sou paulistana das que aproveitam o trânsito da manhã para escutar
música alta, tirar o brilho da testa, anotar as tarefas do dia e ensaiar
diálogos que nunca acontecerão. Sou paulistana de pastel de feira. De “orra,
meu”. De “prensado completo com purê, por favor”.
Sou paulistana com CPF na
nota. Consigo soletrar ANHANGABAÚ em menos de três segundos e sei que dá tempo
de ler doze páginas de Vida e Morte Severina entre Jabaquara e Tucuruvi. Peço o
prato do dia. Frequento o Mercadão. Passo mais tempo na fila do que na atração
e acredite se quiser: tenho uma bolsa só para o ladrão. Faço dieta e vou para o
Guarujá no verão e durante todo o resto do ano desfilo minha cor de queijo
Minas em saltos altos cravados com força no piche do chão.
Por isso, Meu Amor, leve a
sério esse convite. Saiba que ele eleva o patamar da relação. Não estou te
convidando para encher a cara de glúten, lactose, tomate e manjericão em vão.
Estou convidando porque gosto de você. Gosto genuinamente. Gosto tanto que
penso em lhe reensinar fração comendo dois oitavos de pizza e traduzindo em um
quarto para eu, você e aquela jarra de azeite português que sobrou solitária na
mesa da sala ao lado da azeitona preta que caiu da caixa direto no chão.
Pensei até em sentarmo-nos
naquele tapete branco felpudo em frente à televisão. Podemos carinhosamente
acomodá-la na mesa de centro, na altura dos nossos olhos, cenário perfeito para
a celebração. Posso comer com uma mão enquanto lhe afago com a outra e admiro
você falando com a boca cheia de parmesão e indignação sobre as mazelas
políticas que abalam o Paquistão.
Gosto tanto de você que temo
que as oito fatias nos imponham uma distância tão grande a ponto de eu não
conseguir alcançar a sua mão. Por isso senta do meu lado. Ela fica na nossa
frente. Vamos cultuá-la juntos, mirando-a e devorando-a do mesmo ângulo. Eu
começo do pedaço de baixo e vou comendo no sentido horário porque tenho TOC.
Você come ao contrário e nós nos encontramos lá em cima, nos derradeiros
pedaços que nos separarão da calmaria de nossos colos cheirando a fumaça e
gorgonzola esparramados no chão.
Eu gosto muito de você.
Gosto mesmo. E gosto dela também. Por isso receba esse convite com carinho,
respeito e atenção. É nesse ménage, eu, você e ela, que eu pretendo celebrar a
nossa união. Tenho apenas uma ressalva e peço que você ouça bem e leve em
consideração: por favor, Meu Amor, ketchup não.
Eduarda Costa
Quando analisaram minha
caligrafia, disseram que a letra não encosta na linha porque eu sonho demais.
Aí eu contei que sou advogada mas desconfio de leis, acredito que o ser humano
é movido a paixões, tenho fobia de gente com opinião formada, creio que Deus
escreveu meu destino e que meus filhos crescerão em um mundo livre de
intolerância. Só então eles perceberam que eu nem sonho tanto assim. A letra só
não encosta na linha porque eu nunca gostei de barreiras mesmo.
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