AS MULHERES POETAS NA
LITERATURA BRASILEIRA (39ª POSTAGEM)
LILIAN MAIAL , poeta carioca
nascida nos anos 60, é médica e escritora. Já teve poemas publicados em
diversas antologias. Faz parte do
movimento poetrix. Publicou Enfim, renasci (2000)
SOMBRA
Sou o estranho que mais
conheço
sem meio sem fim
Sou meu recomeço.
Caminho sobre navalhas
afiadas
nessa espera.
A ferida é incontestável,
a dor é certa,
mas não há como chegar
sem machucar.
Prefiro sangrar
ao som do pulsar desse jogo,
que secar segura
no silêncio da conformação.
POEMA ESTÉTICO
Preciso urgentemente de um
poema estético
eliminar a gordura
localizada da palavra,
depilar o verbo e limpar a
pele da poesia.
Necessito impreterivelmente
de uma rima cirúrgica,
da assepsia do olhar
sistólico,
laquear o peito lacerado.
Careço remover os resíduos
de ossos triturados
na medula da saudade,
suturar a deiscência da
canção.
Uma incisão limpa no músculo
entremeado de versos,
cujas paredes bombeiam
ausências.
Por fim, a cicatriz imóvel e
cintilante
com o traço fino da pena.
CONFESSIONÁRIO
Teus ruídos indecifráveis,
teu despetalar,
em versos,
germinar esperas,
fecundar lençóis.
Tua face de entrega,
o dorso contorcido,
expectativas.
Teu suor recende a pecado,
teus olhos, profanação...
Abre a boca,
confessa,
eu te absorvo!
DENIZIS TRINDADE (19 ) considera-se poeta bissexta, é atriz e já
fez cinema, teatro e televisão. Desde os anos 80, Denizis é integrante da Gang
(o bando poético-performático que segurava o pornô-poema e hoje se apresenta em
eventos especiais) e da Dupla do Prazer. Têm 2 livros publicados, Sessão
Cabacinho e Book New Look e o inédito Coisa de Pele.
GRITO AO INFINITO
Não venham me dizer
o que sou, o que sinto,
como eu devo viver
e o que devo fazer.
Não venham condenar
o meu modo de ser,
de amar e de me expor.
Eu faço o meu caminho.
Não venham me ensinar:
eu sei errar sozinha.
FIM DE CASO
É estranho
rever você
e não reconhecer
mais nada
É estranho
tocar em você
e não desejar
mais nada
É estranho
ter sentido tudo
e não gozar mais nada
É estranho:
muito mais
que uma porrada:
uma faca nas entranhas
mais nada
DISTÂNCIA
eu em casa
tu na rua
tu de gala
eu tão nua
eu na cama
tu na lua
tu em outra
eu na tua
ANGEL OF LOVE
anjo de olhar penetrante
mãos divinas, mãos de amante
anjo de boca sedenta
sabor de céu e de sexo
anjo de corpo fremente
anjo-demônio-gente
pênis faminto, viril
alma e voz de poeta
cara, você me liberta
me leva ao desvario
e eu me sinto uma santa no
cio
DANIELA DELIAS (1971) poeta
gaúcha, é psicóloga e professora universitária. Tem poemas publicados no Livro
da Tribo, em revistas literárias e no blog de poesia Do Lado de Cá. Publicou
seu primeiro livro de poesia, Boneca Russa em Casa de Silêncios, em 2012.
MADEIRA
há rumores de que o tempo
devastou paredes e cercas
que a película da noite
não esconde a palidez
das roupas e dos fios
há rumores de que as
vidraças
não contêm os motores
tampouco os silêncios
que a madeira cansada
contrai, range, geme
estende aflita os seus nós
há rumores de que os pés
não pesam mais que as
partidas
TEAR
ela tece com fio lilás
as rotas do seu olhar
mas quando ele chega
ensaia outras cores
inventa moda
cobre-se de rendas
ele anseia por suas saias
e rende-se às suas teias
LABIRINTOS
esqueço o guarda-chuva
recolho os pratos, as flores
gemem de frio as sandálias
tonta, invento labirintos
nego as lonjuras da noite
transito órbitas improváveis
nas curvas de um ideograma
a musa estende o braço, a
boca
há um nome dentro do meu
nome
uma palavra que chamo minha
PÉROLAS
das coisas breves, o peso de
pés atados à pedra
que tínhamos aqueles olhos
de ir ao fundo
existir entre mergulhos,
querer pérolas
e como sangrássemos sem ver,
permanecíamos
eu ancorada ao seu silêncio
vestida de distâncias e
maresia
das coisas belas, o gozo da
palavra
a morte anunciada naquele
estranho dialeto
de corpos e poemas
impossíveis:
eu quero morrer de amor, ele
dizia
seu verso atravessado em
minha garganta
À BEIRA
tudo era quase:
corpo, corte, lâmina
tudo à beira
se não distante
tudo era perto de
estranha e bela substância
em tela de cores decompostas
e dores reviradas
tão bruta longe da palavra
tão outra
e você me lia
de que delicada matéria
é feita a poesia?
MARIANA IANELLI(1979) poeta
paulistana, é mestre em literatura e crítica literária, e colabora como
resenhista em alguns jornais. Publicou: Trajetória de antes (1999), Duas Chagas
(2001), Passagens (2003), Fazer Silêncio (2005), Almádena (2007) e Treva
Alvorada (2010), O Amor e depois (2012)
TREVA ALVORADA
Absurda leveza que te faz
afundar
E não é a morte.
Cumpres tua descida calado
(Uma palavra por descuido
Seria amputar a verdade).
Náufrago do tempo,
Tuas horas transbordam.
Dentro da lágrima,
Imensidão, já não choras.
Estrelas e estrelas,
Copulam a sede e o engenho
De que te alimentas
Como nunca te alimentou
O gosto da carne.
Tua face atónita
Se existisse uma face,
Tuas costas nuas,
Se a nudez fosse do corpo.
Um sorvedouro
Onde a paz dos contrários,
Treva alvorada.
Fecundado, flutuas.
É a lei da graça.
O AMOR E DEPOIS
Era esperado que aos poucos
Definhasse, fosse
desaparecendo
Naturalmente levado pelo
sono.
Era suposto que por abandono
Morresse –
E não teria o vento nenhum
sentido
De ventura, seria apenas
A passagem de uma hora
branca,
Entre outras tantas,
Para um coração manso
Que já nada espera nem
recorda –
Como se o tempo não
devorasse
Também o desconsolo,
E dele fizesse exsudar um
leve perfume,
Como se não arrastasse
Cada corpo uma penumbra,
Como se fosse possível
Em vida a paz dos mortos.
PIETÁ
Por delicadeza
Devia cada um resolver seu
vestígio,
Não deixar o corpo a esmo,
Atravessado na passagem,
Sem desejo, sem enigma.
Mas se me fica o teu corpo
Eu te arrepanho nos braços
Com a maternidade do ofício
E lavo os teus ombros
De quanto pesou sobre eles,
O teu sexo, que a nenhum
afago responde,
Lavo os teus pés, o ato mais
santo.
Eu te arremato, eu te limpo
da vida,
Faço com que desapareças,
Que o teu equívoco me
abasteça
Da razão dos humildes.
Fardo ensoalhado, esse,
De amparar o meu próprio
destino
O ENCONTRO
Dá-me um acontecimento
E eu nada direi sobre isso.
O crime perfeito
Será meu segredo
Fechado por dentro
Em silêncio
Como um vício.
Face à justiça dos homens
Há de me salvar
A vida rotineira
Entre mil outras tão
parecidas.
Irei mansamente,
Azul sobre azul,
Sem que desconfiem.
(Quase diurna, eu diria,
Não me turvasse o delírio.)
E no passeio dos lobos,
Teu sangue meu sangue,
Para o chão
Águas e limites.
Repleta do terceiro corpo,
Em asa de luz
Nada direi sobre isso.
De línguas mortas
E um tempo morto
Farei caixa de guardar
Minha fé ilícita.
Rubens Jardim,
67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e
trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil.
Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas:
ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008).
Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80
anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos
Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan
Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos
conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento
CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o
lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os
lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília
(2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional.
Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E
participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do
Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas
publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do
Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
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