AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (41ª postagem) [Rubens Jardim]
Sentido do poema
Teria a poesia
violetas e vírgulas
áridas palavras
essencial sentido?
Não sei…
Quando sinto o poema
Exponho o grito
Enigma consagrado
A liberdade do poema
sopra no papel
fecundos enigmas
Casulo rompido
verso explodindo
o que sente
Não existe remendos
em pele danificada
Desvirginada a palavra
cicatriz consagrada
no poeta
Livre voo
Meu deserto
desarmado dos ventos
castiga palavras soltas
estribilhos
canções contidas
na armadilha dos versos
redondilhas
Silêncios ecoam
Não mais escondo
minhas asas negras
Livre voo
em outras companhias
Multiplico fogos de artifício
em festa constante
O céu enche-se de estrelas
REFLEXO
O apartamento inteiro
respira você.
Nunca pensei
que moléculas de poeira
gritassem seu nome.
Pedro Almodóvar
Desço a ladeira
dos meus sonhos
de salto alto.
Requebro bamboleante
nos paralelepípedos
de um filme real
em preto e branco.
Um dia ainda
sairei dos nervos.
Virarei Almodóvar.
ESCATOLÓGICA EM DECLIVE MÉTRICO
Há ratos sobre os estoques de mercadorias
e algumas baratas rondam a despensa
eletrônicos, tecidos, sapatos
bananas nanicas e tulipas
de Holanda. Tudo cheira a morte
e fome e temor e vida.
Há um morto sem estômago
sob a porta aberta,
um visgo seco
e um incômodo.
Se há vida,
mata!
ANDANÇAS
Olho os dois pés que descansam de suas viagens.
Os dedos, são dez,
imóveis conversam entre si.
Aconselho-me com eles, afinal
são pés sábios, correram terras,
pularam abismos,
subiram montanhas.
Aconselho-me com eles
mas não sei a que corpo pertencem.
Membros desconhecidos
magros, ossudos,
lembram os pés de meu pai.
Verde-azuis as veias saltam,
num grito, ao mergulharem,
na confortante bacia.
Quisera tivessem asas, pensei.
Mas sobram cores nas unhas
e uma certa impaciência
de caminhos
tão reconhecíveis agora
depois do banho.
Dentro das meias,
sob as cobertas,
meus pés sou eu.
FAZERES
o poeta chega sem alarde
ao branco da página;
invisível quase,
pensa a melodia
que há em cada frase
e conjuga verbo e imagem,
tudo em pensamento,
que não se atreve
a acelerar o tempo
do poema imberbe.
cheira a folha,
rege o vento que a sopra
espanta a mariposa-
palavra que vem surgindo
como a lua clara.
talvez um tango,
talvez espanto, ele pensa,
as rimas passarinhando seu cérebro,
uns grunhidos de fonemas
avançam sobre ele
até que exausto rende-se
ao eterno ex´lio
da palavra extrema.
CONVERSAS
não quero ser uma sombra contra esta janela que dá para o mar
nem uma foto na parede nem uma memória partilhada.
meu desejo é ser nossa senhora dos cordões de Oswald,
deixar de lado, com Manuel, o lirismo comedido
sambar e escrever loucamente
e colocar a poesia na rua, essa doceamarga.
“ó tristeza, me desculpe”
mas já não ando à míngua em busca de amor
e sorte. “minha pátria é minha língua”
e o mais são cortes na pele das palavras.
TEIA
No tapete de sisal
mil dedos de crianças gemem
nas fibras do tapete de sisal
mil lágrimas de crianças úmidas na contramão
nas tiras do tapete de sisal
mil unhas de crianças quebradas
dentes de leite caídos
mil brinquedos mortos apodrecem
nas tranças do tapete de sisal
mil vozes de crianças calam a cartilha branca
nos nós do tapete de sisal
mil corações gotejam na memória da terra
mil dedos me arranham as veias
lutas intestinas se deitam no tapete de sisal
sonhos tecidos pelo avesso
mil bocas
mil esperanças
mil destinos diluídos
me deixam o útero
vazio.
ASTROLABIO
para Amir Klink
No fim do mundo
há um lugar para mim.
Meus olhos lá estão
fusão de céu e mar
paisagem linha
desancora meu coração,
horizonte em mim
aponta o zênite do sonho,
comunhão.
Ali,
no fim do mundo
o mar mergulha em mim.
MEDITERRÂNEA
Vem da aldeia
vento que insemina, céu
luz paraíso de dor antiga.
Ontem.
Pulsam sete lamparinas, tangerinas
incandescem pupilas
drama solar, ilhas
que se foram.
ECO
Para F.G.Lorca
O Cristo Cigano meditou
diante do mar, antes da morte
a amplidão abraçada a si
perdido e lançado ali
ante extremos
sem faróis, sem palavra nem canto.
Morte ao Cristo Cigano,
que sem dança,
se recolhe ao todo
silêncio e sons submersos, lhe afogam
antes da morte, o verso.
Não mais um poema
nem o giro cantar,
cravos de sangue e sal
lançados no maior
guitarra
conchas
e vento.
Mulher de minutos
Não sou mulher de minutos
Daquelas que os segundos varrem para debaixo do tapete sujo
Não pinto os cabelos de fogo
Nem faço tatuagem no umbigo
Me recuso a usar corpetes e cinta-liga
São poemas que ainda não reguei
Prefiro guardá-los em silêncio
Até que o tempo amadureça meus minutos
E a vida me contemple com seus frutos
Não borro meus cílios com a solidão da noite
Nem pinto meu rosto com a palidez das manhãs
Meu corpo é feito de marés
Onde navegam mil anseios
Veleiros sem direção
Estou sempre na contramão
Te amo de amor
Te amo de amor
A qualquer hora
O dia inteiro
Do jeito que for
Te amo simplesmente
Sem mistério, vícios ou pudor
Amo o amarelo dos seus olhos
Sol poente em plena madrugada
Suas melodias
Suas trilhas
Amo sem precisar ser amada em retribuição
Sem hora marcada
Sem demora
Amo na cama e no chão
No meio da rua e na calçada
Debaixo de chuva
Sóbria ou embriagada
Te amo de amor
E não há nada que você possa fazer
Nem contra ou a favor
Tenho pena das mulheres que não gozam
Tenho pena das mulheres que não gozam
Elas não sabem
Que sob o colchão
A pele derrete
E que suas grutas ficam quentes
Como lava de vulcão
Desconhecem a meninice dos dedos
Que pulam de um mamilo ao outro
E brincam de esconde-esconde
Sob a chuva de estrelas mil
Não imaginam para que servem as mãos
Nem para que suas bocas foram feitas -
Talvez seja por isso que falem demais
Tenho pena das mulheres que invejam aquelas que gozam
Elas não sabem
Que seus seios são frutas maduras
Morangos, pêssegos, pêras, uvas
Pequenas cerejas mergulhadas em doces trufas
Por suas pernas e ancas
Jamais escorreu o néctar dos deuses
A bebida sagrada
O mel branco que é alimento
Feito leite de cabra
Tenho pena dessas mulheres
Por que elas serão eternamente amargas
As coisas que amo
Eu não sei dizer te amo!
Porque as coisas que amo, parecem não caber no amor
Amo o aconchego das casas
E a maneira como os pés se procuram debaixo das cobertas
Amo a ciranda dos dedos sobre a pele
E o aroma dos poemas do Jorge de Lima
Amo o som de água
O cheiro de chuva
O motivo do riso, não a risada
Amo a beleza que põe mesa
A beleza do erro
do engano
e da imperfeição
Amo o desejo de amar
O tédio de não querer nada
O desejo de tudo querer
Amo o cheiro dos ouvidos
O jeito de falar
A maneira como se olha
Eu não sei dizer te amo!
Porque as coisas que amo, parecem não caber no amor
Eu sei sentir te amo
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