Por um mundo com mais
pessoas boas e menos gente “boazinha”.
André J. Gomes
Artigo publicado no site Conti outra
Por um mundo com mais pessoas
boas e menos gente “boazinha”.
Um dia acontece. Você
acorda, abre a janela e encontra um tempo feio como bronca de filho em mãe,
triste, dia de ser só. O céu cor de chumbo é um longo e imenso desamparo, a rua
está úmida, mais vazia que a primeira tarde depois do fim do mundo, e você tem
um desejo dolorido de voltar à cama, ao convívio das cobertas, ao escuro
silencioso da madrugada, ao útero materno.
Você fica ali, em seu canto
sem hora, colando rostos e cenas e motivos nas páginas brancas de seus vazios.
Não há nada que dar a ninguém. Fica ali só, até aquilo passar.
E aquilo passa, sempre
passa. Vira outra coisa e você vai em frente, vai à vida. Escolhe seguir
adiante. Seu olhar insiste em ver beleza no quase tudo. Até o cheiro do dia
frio vai lhe dar vontade de arrumar as gavetas, cortar as unhas, ajeitar o
cabelo. Deixar o mundo bonito como no trabalho do jardineiro simples em sua
intenção sagrada de enfeitar a vista alheia.
Então você compreende o
quanto a vida anda à espreita. O quanto ela está ali sempre. A postos.
Esperando sua deixa e sua chance de se mostrar grande. Maior que qualquer
pesar. Mais alta e franca que nossas picuinhas e nossos venenos. Muito mais
forte que a misteriosa e fantástica capacidade que temos nós de armazenar quinquilharias!
É a vida que aparece na
lembrança preciosa dos nossos. Todos eles. Avós, bisavós, pais, irmãos, tios,
tias, primos, vizinhos de ontem, amores passados, velhos amigos perdidos na
neblina da indiferença, toda essa gente que mora em nossa saudade retorna em
desfile de dia cívico quando viver se faz mais forte que o nosso medo de que
nos soltem a mão no meio do tumulto.
Eles chegam na hora certa,
com o sol ardendo depois da chuva. Voltam para avisar: é tempo de viver! E
anunciam que, para aqueles que acreditam, a vida é uma lambreta alaranjada
pilotada por Deus e que nós estamos na garupa! Às vezes, tem mesmo de apertar
forte a cintura do Piloto para não cair.
Vê por aí quanta gente tão
certa do que diz? Quantos gênios decretando que a felicidade consiste em fazer
isso e aquilo e que a sabedoria está aqui e ali? Palmas para eles! Agora, se
você não souber sequer onde está a chave do carro, não esquenta. Se nem sequer
tiver carro e tampouco certezas, relaxe.
Quem sabe? Viver pode ser
mesmo esse eterno “não ter”. De repente, aqueles que moram em nossas saudades
nos jogam na cara que é preciso não ter mesmo. Quem não tem vai em busca.
Sem pressa, eles se sentam e
contam uma história antiga sobre o amor e o tempo. E sugerem que é preciso ser
bom para viver neste mundo. Mas bom mesmo! Não “bonzinho”. Bom! Tem de ser bom
com o mesmo descaramento de quem rouba um carro ao meio-dia, assalta os cofres
públicos, engana aos outros e a si mesmos. Porque nesses tempos em que a
grosseria virou competência e a firmeza de caráter se confunde com patada, para
cada canalha que pratica franca e livremente suas escrotidões é preciso um
batalhão de gente radicalmente boa, inescrupulosamente honesta, cruelmente
bacana para equilibrar a vida.Olha o sol ali, aquecendo nossas saudades.
Voltou, sempre volta, volta para confirmar que é urgente trabalhar com alegria,
fazer as coisas com amor, desejar profundo. E que desejo raso não realiza nada.
É. Talvez seja só essa mania
de esperança fazendo das suas. Talvez o tempo ruim apareça mais vezes do que
nós aguentamos.
Mas aqui dentro, aqui no
fundo eu tenho a impressão de que nós podemos ser mais, um bocado mais que
pobres bichos vivendo à toa para morrer sós. Sei lá. É só um palpite de quem
tem saudade. Olha o sol ali. Olha o sol.
Jornalista de formação,
publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.
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