Vários autores e compositores já disseram, em diversas obras e canções, que “O Inferno é Aqui”. Confesso que me alegro com isso. Embora eu tenha pecados para serem expiados, e não são poucos, eu sempre soube de causas e consequências e, ademais, para o meu sossego, a maioria deles passeiam pelo campo dos sentires, pelo Canto V do Inferno de Dante e chicoteiam, muito mais, a mim do que a qualquer outro. Apoiado nos sentires e advogando em causa própria, me dependuro, para sobreviver ileso entre os mortais e ter uma tábua de salvação, na filosofia nietzschiana onde a premissa é amar “aquilo que é necessário nas coisas e sabendo que as dores são tão necessárias e inescapáveis quanto as alegrias, então é preciso amar a vida integralmente. Aceitar a fatalidade e a finitude é viver plenamente, e não pela metade”, ou seja, aceitar que, “aquilo que se faz por amor está, sempre, além do bem e do mal”. Enfim, sabedor da minha via crucis, com meus pecados em exposição e ciente de que a minha jornada rumo ao Paraíso é duvidosa, visto que tudo não passa de conjecturas e minha defesa é apenas uma desculpa, pois está embasada em um filósofo ateu que considera a solidão virtude de almas extraordinárias, sigo, cortês, em busca da pura e virtuosa Beatrice enquanto, de canto de olho, flerto com Francesca, empático a condição humana, sempre sujeita as tentações.
Imerso nessa convicção, bêbada, de que o inferno é aqui e, por consequência, o céu também, passeio criando a ilusão metafórica de que somos ladeados por anjos, demônios e toda sorte de elementos de viés épico e teológico, citados por Dante em sua “La Divina Commedia”, e estes caminham ao nosso lado, desafiando o instinto primata, nos fazendo beber dos venenos que adocicam a língua e, ora, nos colocam maiores do que somos, ora nos subjuga às delícias dos pecados capitais. Imerso, sigo nessa jornada rumo ao último dos céus, deparando-me com os monstros que me distraem pelo caminho e me impedem de beber das águas do Rio Lete.
Esses belos monstros que encontro pelas ruas, que me sussurram no ouvido e me fazem sentir a humanidade como sinto o calor e o frio na pele, desviam meus passos e me fazem matutar, nas horas de reflexão, sobre assertiva de Sartre que insiste em deixar claro que “o inferno são os outros”. Considero-o, pois a minha liberdade de ser sempre está condicionada ao olhar desse outro! Não que o Existencialismo me encante, mesmo porque não quero ser mais um virtuoso no limbo e minha poética necessita do fascínio do amor fiel da ingênua e digna Beatrice, necessita da pecadora Francesca, das luxuriosas: Semíramis, Dido, Cleópatra e Helena, necessita da paixão de Páris, da tragédia de Tristão. Seria um infortúnio perder a magia desses personagens, o simbolismo, o metafisicismo e os sentidos dantescos da obra e o que eles proporcionam, resumindo-os a meros mortais apodrecidos em suas covas rasas, mas nessa confusão e perrengues em que nos metemos diariamente, onde somos todos carrascos um do outro, onde necessitamos nos relacionar com o outro para construir a nossa identidade e, esse processo, nem sempre é tranquilo e harmonioso, a fala da personagem da peça sartreana me parece fazer todo sentido.
Sartre, quando apresentou a peça “Huis Clos”, uma peça de um único ato, com três personagens encerrados numa sala, sem janelas e sem espelhos, apenas com o olhar do outro para se reconhecer e ser reconhecido, onde um não podia ter mais destaque que o diverso, tinha como objetivo filosófico perceber a liberdade do indivíduo e como ela pode ser inibida pela presença do outro, já que cada indivíduo tem sua vontade própria. Mas esse olhar, esse espelho humano enxerga o que está fora e o que está dentro, encontra e revela as fraquezas e angústias, pois consegue penetrar no mais íntimo da pessoa, atestando sua existência. Enquanto indivíduos, podemos enfrentar o olhar do outro, mas não sua consciência, tampouco podemos fugir dessa consciência, pois ela é livre para pensar e construir valores sobre nós.
Embora não seja nada romântico, pelo contrário, trata-se de uma realidade trágica e todas as realidades existenciais, parecem caminhar para a tragicidade, tudo leva crer que Sartre tem razão. O seu inferno não é físico, mas se concretiza através do outro e a punição é muito mais dolorida, pois traz à tona a consciência de quem somos.
De fato, o “inferno são os outros”!
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Um comentário
Sempre gostei muito desta teoria de que o inferno é aqui. Faz todo sentido, primeiro porque jamais engoli esta estória do castigo de Deus seria ou será jogar os filhos pecadores (todos) em um lago de fogo para a eternidade. Que tipo de pai faria uma coisa dessas??? Tão pouco jamais aceitei esta lorota do tal "tomor a Deus". Se Deus é um "Pais Amoroso", por que temos que temê-lo??? Sinceramente quanto mais penso nos dogmas cristãos/católicos, menos sentido fazem...como diz um amigo muito querido: Aff...
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