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O OUTRO, MEU ESPELHO

 

Silvia Mendonça

O outro, meu espelho
Por Silvia Mendonça

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O século XX diferencia-se dos anteriores não apenas pela necessidade de enfrentamento de intempéries ou ausência de domínio técnico sobre os fenômenos da natureza, mas pelos descaminhos, angústias e incertezas. Sentimentos e sensações decorrentes de uma nova forma de pensar, incorporada ao "novo" humano, não sendo, porém, originárias do ideal de eu de cada indivíduo, mas de tudo aquilo que possa lhe proporcionar satisfação, mesmo que não sejam respeitados os limites éticos e morais.

Acredito tratar-se de um novo paradigma psíquico, voltado exclusivamente para o prazer, que só pode mesmo desencadear grandes sofrimentos. Não são aceitas mais orientações efetivas que possam nortear o pensamento do humano, enquanto ser, predominando o ideal de obtenção do sucesso a qualquer preço. A realidade que se apresenta é a de que o drama do sofrimento dos novos tempos, em verdade, é o testemunho de nossas próprias experiências, que não contam mais com o auxílio e o exercício da reflexividade.

Seguindo esse raciocínio, nunca o indivíduo foi tão livre e, ao mesmo tempo, tão estéril de pensamento. Por isso, vem sendo conduzido, basicamente, pelo mundo do espetáculo, sendo esta a principal causa da grave crise de identidade hoje tão presente. Esta crise de identidade acontece quando o indivíduo, que se vê frente a qualquer tipo de obstáculo, sente-se confuso e inseguro, justamente por não ter desenvolvido a capacidade de utilizar sua capacidade de pensar.

Por outro lado, também não pode contar com experiências fidedignas e, assim, é normal que se sinta frágil, vulnerável e oprimido - até porque, o que tem valido para a vida humana atual são as aparências, a necessidade de aceitação e de confirmação externa. A preocupação maior, hoje, é voltada para o pensar e o olhar do outro, e não para a própria essência e verdade interior. Daí a progressiva ampliação dos processos de depressão, já que as defesas pessoais foram minadas, propositalmente, pelos processos de manipulação da sociedade de consumo; processos estes que incapacitam o indivíduo de auto sustentar-se e de suportar a crítica alheia.

Sem falar que a questão da estética vem ocupando o lugar da ética no mundo atual, pois o que realmente importa é estar em cena, captar olhares, ser sedutor. Assim, a imagem passou a ser decisiva para que as pessoas se sintam aceitas pelos demais, além de ser também uma maneira fácil de ganhar dinheiro. Neste momento, localizamos um dos principais conflitos existentes, em especial entre os jovens, que passaram a se preocupar com a estética. Preocupação esta muito além do que é tido como normal para tal faixa etária, tornando-se um fator negativo, pois se transformou em algo essencial para que o jovem se torne reconhecido pelo outro. Desta forma, instalou-se uma grave e inusitada crise para a vida humana: a incapacidade de diferenciar o que é necessário daquilo que é oriundo do desejo. Consequentemente, o desprezo e desapego por todos aqueles que detêm sabedoria, especialmente pessoas mais velhas, pois estas ainda trazem consigo valores morais e éticos que pouco interessam a quem deseja ser visto pelos outros, seja qual for o preço a pagar.

Analisando o paradoxo que permeia a sociedade moderna, a única certeza que temos é que vivemos em um mundo que despreza o exercício da reflexão e, assim, os riscos humanamente criados avançam. Ninguém dá o que não tem. Quando se negligencia a estruturação interna em prol da aprovação exterior, há uma grande ameaça para os suportes que mantêm a auto sustentação. O não reconhecimento dos bloqueios mentais e psíquicos não permite que o indivíduo perceba, com a necessária clareza, que o importante na vida é a segurança interior e a integração com as características pessoais e subjetivas.

Tenho para mim que o olhar para dentro é o que constrói a identidade, que faz com que o indivíduo reconheça suas capacidades e limitações - e isto só é conseguido através da autocrítica, que conduz ao verdadeiro reconhecimento de si mesmo. O olhar do outro, então, só é importante para quem precisa demonstrar ao mundo a falsa realidade que vive - ou seja, a mentira de si mesmo.





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Silvia Mendonça. Jornalista e Escritora. Relações públicas e militante na empresa Greenpeace Brasil, Trabalhou como Volunteering na empresa Avaaz Brasil e trabalhou como Correspondente na empresa Reuters. Hoje administra um sÍtio em Alto Paraíso de Goiás.

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