ESCRAVIDÃO, AÍ DO SEU LADO
por Sérgio Becker
Sem trabalho, a vida se estraga. Mas quando o trabalho
é desmotivador, a vida é sufocada e acaba. (Albert Camus)
Ainda há 30 milhões de escravos no mundo. A escravidão
moderna inclui práticas como trabalho forçado, dívidas impagáveis, tráfico de
pessoas, venda de crianças e coisas do gênero. Atinge desde países como a
Mauritânia, no topo da lista, onde cerca de 4% da população vivem escravizados,
aos melhores dos 162 países da pesquisa, Reino Unido, Irlanda e Islândia. O
Brasil ocupa uma posição intermediária (94ª.), com ‘apenas’ 209,6 mil escravos.
A Índia tem quase 14 milhões...
Meu conceito de escravidão vai um pouco além. O
dicionário também a define como servidão, dependência, submissão, falta de
liberdade. E é isso que vejo, em diferentes graus, em muitas organizações:
1- Há horário de entrada, mas não de saída. Muita gente
tem uma jornada diária de 10, 12 horas num ambiente por vezes em condições
físicas inadequadas, não funcionais ou até mesmo insalubres.
2- O trabalho continua à noite e nos finais de semana,
já que muitas organizações têm equipes muito enxutas, onde um colaborador faz o
trabalho de dois ou três.
3- O celular e e-mail que, em tese, deveriam facilitar
as coisas, na verdade as complicam: o funcionário fica à disposição 24 horas
por dia. E muitos chefes não têm o menor constrangimento em comunicar-se a
qualquer hora – e continuar o expediente.
4- Metas quase impossíveis de ser alcançadas são
impostas sem negociação de sua viabilidade com a equipe, que não tem voz
(sugestões, reclamações, etc.) também no dia a dia. A Direção não comunica
estratégias, tendências, nada. O grupo tenta adivinhar o que se passa com a
organização sem apoio algum. Faltam líderes.
5- O clima de competição é estimulado ao extremo. Quem
não bate as tais metas – não importa o motivo, muitas vezes relevante – é um
perdedor, mal visto e ‘dispensado para seguir novos rumos’...
6- Não há coaching nem feedback. As demissões sem
justificativa plausível aterrorizam o grupo – e a ‘rádio-corredor’ funciona
como um disseminador de boatos e medo constante.
7- Diferentes medidas de avaliação e recompensa são
adotadas para o mesmo tipo de atividade. Assim, vale a relação de amizade com a
chefia, nepotismo, promoção injustificada de alguns (indolentes e pouco
produtivos) em detrimento de outros (dedicados e geradores de resultado real).
Sem falar em discriminação mesmo, em qualquer de suas formas.
8- Nenhuma perspectiva de carreira. As atividades são
repetitivas e pouco estimulantes.
9- Não há treinamento, não há investimento no capital
humano ou o que existe é somente cosmético, desde a batida fórmula que junta
qualquer assunto às doces palavras “sucesso, magia, feliz, campeão, infalível,
vitória, você, segredo, riqueza” até stand-up comedy corporativo: piadas,
palavrões, brincadeiras pesadas ou infantis que não desenvolvem qualquer
habilidade ou agregam o que quer que seja. Como ouvi de um ‘empresário
escravocrata' (não por coincidência diretor de uma empresa campeã... em reclamações
de clientes): “só dou mesmo pão e circo a funcionário”.
10- Não se celebram as vitórias. A crítica vem sempre,
o elogio nunca.
A solução para isso tudo deve vir, antes de qualquer
outra, do próprio ‘escravo corporativo’. Se houver a possibilidade, fala-se com
o gestor ou com alguém de Recursos Humanos em busca de alguma saída. Quando
não, o caminho da libertação é mais drástico: demitir o empregador, já que
dignidade não se negocia e, como dizia a filósofa Rosa Luxemburgo, “quem não se
movimenta, não sente as correntes que o prendem”. E porque, se alguém for
esperar alguma Princesa Isabel e uma nova Lei Áurea num ambiente como o
descrito, que espere sentado. Isso se lá houver cadeira para empregado sentar.
Sérgio Becker é Educador, Palestrante e Diretor Geral
da Unigente® Palestras e Eventos.
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Um comentário
Belíssimo artigo sobre a realidade de muitos brasileiros. Acrescento mais: carteira sem assinar, horas extras que não são pagas. Direitos do trabalhadores que são sonegados... Claro que muitos se submetem por medo de perder o emprego. ATé quando, meu deus, até quando!
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