Simone Pedersen, formada em Direito, morou onze anos no exterior onde teve vivência multicultural e conheceu diferentes estilos linguísticos.Desde essa época já escrevia crônicas para os amigos sobre a diversidade que vivenciava. Atualmente reside no interior de São Paulo e, há dois anos, participa ativamente de concursos literários, tendo conquistado inúmeros prêmios no Brasil e no exterior.Tem textos publicados em diversas antologias de contos, crônicas e poesias. É colunista de um periódico da região. Seis de suas obras estão em fase final de edição: Vila Felina, história educativa para crianças sobre relacionamentos e preconceitos e Colcha de Retalhos, coletânea de poemas , Fragmentos e Estilhaços com crônicas e poesias e mais três infantis. Todos serão lançados até agosto de 2010.
Blog:
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Balões coloridos
Um jovem casal teve seu primeiro filho, muito doente, com reduzidas chances de sobreviver. Sabendo de seus dias contados, os dois, de licença do trabalho, dividiram as vinte e quatro horas do dia de forma que ambos ficassem com o bebê e eles - apenas eles -, cuidassem do frágil recém-nascido. Com muita dificuldade para mamar, o anjinho precisava ser alimentado a cada hora do dia e da noite, com apenas alguns poucos mililitros do leite materno que a mãe produzia e cuidadosamente retirava e armazenava, num processo doloroso e demorado, pois o pequenino não tinha forças nem para mamar suas gotas de amor...
Em nenhum momento os pais reclamaram de cansaço. Em nenhum momento brigaram sobre quem teria que trocar a próxima fralda ou dar a próxima mamadeira. Nem discutiram quem se levantaria no meio da noite. Fez-me sentir uma péssima mãe... Fez-me lembrar de todos os momentos em que me sinto irritada com os tantos afazeres que a maternidade nos transfere, os familiares exigem e os amigos esperam.
A história do jovem casal mostrou-me que tudo na vida é passageiro e rapidamente desaparece, em largos passos, se nós não atentarmos a cada segundo e vivê-los intensamente. E que, no final da vida, não adiantará mais ter aprendido essa importante lição, pois o tempo passado é tempo vivido, ou tempo perdido. Não existe meio-termo. Não se vive mais ou menos. Não se arrepende mais ou menos. Ou estamos presentes, inteiros, naquele momento, ou nunca mais poderemos alcançá-lo. E as mães sabem disso melhor que ninguém. Acompanham cada minuto da vida de seus rebentos, choram com eles suas dores, riem com eles suas traquinagens. E cuidam, com todo amor e carinho, nos momentos de doença.
No dia do velório do pequenino menino, os pais não estavam desolados. Estavam tristes, mas tranquilos. Estavam conscientes de que haviam feito o melhor que lhes era possível. Haviam amado cada segundo, cada suspiro, cada lágrima e cada sorriso daquele frágil ser. E soltaram 99 balões coloridos, um para cada dia de vida do pequeno anjo, com quem tiveram o privilégio de conviver naqueles meses. Todos os presentes olharam para o céu, refletindo quanto um momento singelo pode representar se nós o agarrarmos com unhas e dentes.
E - como o passado -, os balões ficaram inacessíveis, desaparecendo no céu azul, num piscar de olhos. Lindos, se foram. E nunca mais foram vistos, restando apenas a imagem de um inigualável entardecer, colorido como só a vida pode ser por balões que representavam cada dia vivido no amor.
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A BONECA
Pés descalços no chão
Corpo disforme, raquítico
Barriga grande
Dedo sujo na boca
Terra molhada,
Esgoto a céu aberto
Caixas de papelão
Lar dos subumanos
Urubus e capivaras
Animais de estimação
A boneca tão limpinha
Aninhada no coração
A menina cresceu
E cheirou cola
Depois vendeu seu corpo
Assaltou pedestres felizes
E se mudou para a prisão...
Mas a boneca, ah!
Aquela boneca
Sem cabelos
Lavada com lágrimas
Choradas pela dor de fome
A boneca, ah, a boneca!
A menina levou com ela.
BURACO NEGRO
(Para meu pai)
Sarah Cohen
Assim do nada toca o telefone
E quando o desligo
Corro abrir a janela do quarto
Vejo no céu que uma estrela se apagou
Para o mundo que diferença faz
Menos uma estrela a brilhar?
O céu é um mundo agitado
Por cometas, planetas e estrelas cadentes
Mas na minha janela
Não havia tantas estrelas
Gostava das que conhecia
Eram parte da minha vida
Mesmo quando adormeciam
No colo do sol durante o dia
Mas agora você se foi
E o céu nunca mais será o mesmo
Um buraco negro ali se deitou
E nenhuma estrela
Tomará o seu lugar
Jamais.
Abandono
Mandela
Você partiu sem despedidas nem explicações
Eu busquei respostas no passado que preenchessem o vazio
O porta-retrato no lixo eu recuperei
Um pijama que não será lavado
Mosaico da tua presença impregna os sentidos
Lembranças de frases jogadas:
“Controladora...”
“Enruga as minhas asas...”
“Vai: destranca a gaiola...”
Era um ninho aberto
Você não sabia?
Enruguei minhas asas por que quis
Subi grades imaginárias
Em minha volta
Agora
Não beijarei flores perfumadas ,
Caminharei por becos imundos, sozinha
Sem você, não sou borboleta
Sou lagarta, agarrada, desconfiada
Do que tenho medo? Não é medo de cair.
É medo de te ver voejar em outro jardim.
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SOLIDÃO
O vinho caríssimo escorre pela garganta sedenta, preparando-o para a próxima degustação.
Do outro lado do bar, a moça pensa:
“- Com esse me deito, estou morrendo de solidão...”
Ele regozija em pensamentos carnais:
“- Hoje me deleito, carne nova, sangue fresco!”
Horas depois, ele a deixa desacordada sob os lençóis de cetim carmim. Antes de sair, deita uma rosa vermelha sobre o criado-mudo. Entra no carro, com o sangue ainda escorrendo pelos lábios.
Simone Pedersen
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