COMO A FERRUGEM E A
TRAÇA.
Ontem fui ao clube. E lá tive o
desprazer de reencontrar Arimaze. Concordo que o nome (mesopotâmico) causa justa
estranheza. Mas, explico: se de um lado procurei acautelar-me de uma futura
ação indenizatória, preservando-lhe a identidade, de outro, foi ele quem mais
se aproximou dos meneios com que ainda sou obrigado a conviver, em razão das
circunstâncias.
E não foi fácil achar um bom
representante. De primeiro, pensei em Salieri. Mas Mozart advertiu-me ser óbvia
a ilação, o que não respaldaria a criatividade deste texto. Ao depois, cogitei
em Juliana, a ex-empregada de Luísa. Mas veio Eça e me confidenciou que o primo
Basílio tudo fizera para esquecer aquele arroubo, e não convinha que fosse desenterrado.
Fui, então, à Grécia Antiga, e achei em Ftono a luva que servia. Nix, a
personificação da noite, instou-me a que não envolvesse o nome de seu filho,
pois ainda se ressentia dos dissabores que suas provocações infligiram às
deusas Atena e Hera. Por fim, pedi licença a Voltaire, e este me apresentou
àquele babilônio e a Zadig, o objeto de sua inveja. Encontrava a expressão que
me faltava.
Mas se fiquei indisposto, hoje me
revigoro, e esta crônica é a sua consequência. Dessa forma, faço a seguinte
pergunta, que endereço a Arimaze, onde quer que se encontre: Numa relação entre
invejoso e invejado, quem é que sofre? E antes que os milionésimos de segundo
tragam a ululante resposta, Fr. Luiz de Souza se interpõe e, como que repetindo
Antístenes, o pupilo de Sócrates, pontifica: “Assim como o ferro se consome com
a ferrugem, assim o invejoso se está consumindo com a inveja.”
E diante do insofismável, que dizer ao
súdito do longínquo império? Que seu ilusório senso de superioridade nada mais
é do que uma das muitas máscaras com que a inveja lhe encobre as fuças? Que “A
inveja é uma confissão de inferioridade”, como afirmou Philarete Chasles? Que
“Onde há inveja, não há amizade”, como cantou Camões?
Quem sabe não seria o caso de pensar
em Goethe, e, como Werther, seguir lendo o meu Homero. Afinal, se o próprio
autor de Ilíada e de Odisseia atestou que “O invejoso emagrece com a gordura
alheia”, nada mais prático do que me sentar, folhear, e dar tempo ao inexorável
definhamento.
Talvez fosse melhor enfatizar – quiçá,
ensinar – que a saúde dos portadores da “traça do talento”, como diria
Campoamor, debilita-se com o tempo, a exemplo do aclarado no brilhante ensaio As mil e uma faces da Inveja, da lavra
do Dr. Roque Theophilo, em que o ilustre professor demonstra serem eles
geralmente ansiosos, tristes, revoltados, e muito mais vulneráveis às moléstias
infecciosas, tais como a gripe, a herpes, e às doenças psicossomáticas, que podem
acarretar câncer.
Há quem sugerisse lembrar da empatia,
e, com isso, procurar sentir-lhe compaixão. Belo pensamento. No entanto, sou
forçado a questionar-me: Tenho abnegação bastante? Confesso que não.
Cuidado, Arimaze, pois no conto em que
você existiu, o iluminista francês escreveu que “O invejoso morreu de raiva e de
vexame”...! Não é uma ameaça. É uma advertência.
De outra parte, alguém poderia cogitar
da soberba, a prima irmã do “Gigante Rubro”, de Mira y Lopes. Concluiria, assim,
que o autor é uma alma insatisfeita, e que supõe invejosos ao seu redor. Ora, por
uma questão de equidade, e porque não temo a réplica, de antemão disponibilizo esse
mote a Arimaze, rogando-lhe, contudo, que medite sobre o que aqui foi pincelado.
Dias Campos
Todos os direitos autorais reservados ao autor.
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