Ricardo Guilherme Dicke, nasceu em 16 de outubro de 1936.
Bacharelou-se em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1971. Em 1972 , licenciou-se em Filosofia, pela Faculdade de Educação também da Universidade Federal de Rio de Janeiro.
Fez especialização em "Heidegger e o Problema do Absoluto" e "Fenomenologia" de Merleau Ponty e ainda frequentou a Escola Superior de Museologia. Trabalhou como professor, tradutor e jornalista para várias editoras e jornais de grande circulação no Rio de Janeiro e Cuiabá.
Foi revisor e copy-desk em várias editoras e especialmente entre 1973 e 1975 no jornal O Globo, do Rio de Janeiro. Como artista plástico estudou pintura e desenho, entre 1967 e 1969 com Frank Scheffer e entre 1969 e 1971, com Ivan Serpa e Iberê Camargo. Estudou Cinema no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Fez exposições em Cuiabá e no Rio de Janeiro.
Filho de garimpeiro, morou e andou por várias regiões de Mato Grosso, Ricardo se mostra muito a vontade, como em todas as suas obras, para falar da morfologia e da paisagem mato-grossenses. Dotado de um poder de observação espetacular, consegue registrar e superlativar os significados que a natureza (o rio, as serras, os vegetais), seus habitantes (o pássaro e seu canto onomatopaico) e o próprio universo (a lua a fazer caretas e Deus, onipresença em sua obra) imprimem às pessoas mais simples e aparentemente desprovidas de cultura.
Ricardo Dicke foi descoberto por Guimarães Rosa durante concurso literário em 1968.
Viveu recluso em Cuiabá, o que dificultava ainda mais a divulgação de seu trabalho, mas isso não o impediu de cair nas graças de Guimarães Rosa, Nélida Piñon, Hilda Hilst, Ignácio de Loyola e Glauber Rocha.
Nunca fez questão de ser um escritor conhecido e publicou por conta própria alguns poucos livros - que circularam de forma precária, apesar da avidez dos leitores, especialmente de São Paulo.
Ricardo Guilherme Dicke, que morreu em 09/07/2008, deixou uma obra respeitada por intelectuais, mas ao mesmo tempo ignorada pelas grandes editoras e, por extensão, pelo leitor.
Publicou os seguintes romances: Deus de Caim, Como o Silêncio, Caieira, A chave do bismo, Madona dos Páramos, O Último Horizonte, Cerimônias do Esquecimento, Conjuctio Opositoruium no Grande Sertão (tese de mestrado em Filosofia na UFRJ), O Salário dos Poetas, Rio Abaixo dos Vaqueiros. Escreveu, além destes, mais de dez títulos de romances e outras vinte obras, de contos, teatro e poesia, que permanecem em sua casa aguardando um editor.
Autor de mais 40 livros, Dicke é considerado um dos autores mais premiados de Mato Grosso. Em 2004, o escritor recebeu o título de Doutor Honoris Causa da UFMT.
O
editor Ramon Carlini, também de Cuiabá, tem a chance agora de reparar
essa lacuna editorial - embora Dicke nunca tenha deixado de escrever.
O
escritor Ricardo Guilherme Dicke ressurge novamente pelas mãos do
editor Ramon Carlini, atualmente uma das principais referências no
mercado editorial de Mato Grosso. Com a obra de Dicke, o editor começa a
ampliar sua atuação para outros mercados, como de São Paulo.
Carlini, que já tinha publicado seis títulos do autor, recebeu uma ligação da filha de Dicke dizendo que a família havia encontrado pelo menos 12 originais entre as coisas de Adélia, sua mulher, que morreu dois meses atrás.
"Estou fazendo o inventário. Há romances, contos e até poemas. Enquanto eu tiver fôlego, vou editando", disse Carlini, que imagina publicar de dois a três livros novos por ano - e garante que eles estarão à venda nas principais livrarias do País e
em e-book. A tarefa é árdua: os originais estão datilografados e há muitas anotações incompreensíveis.
Apesar da organização de Dicke, que deixou inclusive título para todos os volumes, o editor fica confuso vez ou outra: "Do livro Complexo do Divino Parte 1, encontrei quatro versões. E agora?"
Entre os inéditos estão o romance Como o Silêncio e a coleção de poemas A Chave do Abismo. Autor e editor se conheceram em 1997, mas a parceria só veio em 2003, quando Carlini perguntou se Dicke não daria um de seus livros para ele "brincar". Ganhou a amizade e os títulos.
"Ele estava havia décadas sem lançar nada e disse que sua alma tinha voltado a sorrir." Os livros saem pela Carlini & Caniato.
Considerado um dos melhores romancistas brasileiros por alguns dos principais críticos literários do país. Com "Deus de Caim", Dicke foi um dos ganhadores do Prêmio nacional WALMAP de Literatura de 1967.
“Deus de Caim” surgiu num momento de transição: política, das artes, da moral, dos costumes, da linguagem. Vivíamos uma época de rápido escalonamento de valores, em direção a uma suposta modernidade em todos os sentidos. A ficção ainda vinha de uma experiência estética bastante canônica, ainda eram muito fortes os ecos do modernismo na poesia. Mas a prosa ainda caminhava para descolar-se dos modelos machadianos ou do realismo naturalismo, quando primeiro surgiu o tufão chamado “Grande Sertão: Veredas”. Uma década depois, “Deus de Caim” emerge como um furacão estético. Em Pasmoso, cidade criada pelo autor, a partir de sua habilidosa capacidade de recuperar a mitologia popular ou o inconsciente coletivo — com o uma Macondo, uma Komala ou uma Yoknapatawpha, a exemplo de García Márquez, Rulfo ou Faulkner, que espelharam as experiências de um mundo arcaico e burguês — esboçam-se os conflitos da família Amarante, de amor entre Lázaro e Minira, interditado pelo seu irmão Jônatas, por meio de sedução e tentativa de estupro, constituem-se no ponto de partida de uma tensão que vai perpassar todo o livro e que são o núcleo central do romance.
“As batalhas nunca se ganham. Nem
sequer são travadas. O campo de
batalha só revela ao homem a sua
própria loucura e desespero, e a vitória
não é mais do que uma ilusão de
filósofos e loucos.”
Um diamante encontrado em algum garimpo na região da Guia é o ponto de partida para esta ficção de Ricardo Guilherme Dicke, “Os Semelhantes”, que acaba de chegar. Escrito nos anos setenta, quando o autor ainda estava em sua fase inicial, esta novela com 180 páginas, editada pela Carlini & Caniato, apresenta o escritor mato-grossense em sua fase inicial, quando seu texto se primava muito mais pela ação vertiginosa e quase sempre ambientado no meio rural, retratando as gentes desta região e a mítica relação entre elas e o meio onde vivem. Entre os leitores de Dicke, a maior parte costuma se sentir mais à vontade com as obras dessa época.
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Por: Jotabê Medeiros
Seção: PÁSSARO Q COME PEDRA
Foto: Jocil serra/Folha do Estado
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DICKE, NÃO DICKENS
A
Toada do Esquecido & Sinfonia Eqüestre (Cathedral Publicações).
Dicke deveria estar nas prateleiras ao lado dos grandes autores desse
país, mas misteriosamente seu nome permanece encoberto. Um dos seus
romances, O Salário dos Poetas, foi levado aos palcos de Lisboa em 2005.
E olha que ele publicou seu primeiro livro há 46 anos.
O
primeiro texto do novo livro de Dicke, A Toada do Esquecido, que alguns
definem como um conto, para mim é um romance amarrado por personagens
mitológicos, com nomes como El Diablo (capeta com máscara de telecatch),
Cavaleiro, Geppeto, A Morte, Zabud. Vivendo numa terra arrasada, a
floresta queimada, todos na iminência de uma grande golpe ou de um
grande abismo.
No
segundo conto, Sinfonia Equëstre, Dicke situa as antigas questões
fundiárias, a disputa pela posse da terra, como conflitos medievais.
Esses conflitos opõem personagens shakespereanos, kurosawianos, todos
eles unidos por um único fio narrativo: a presença dos eqüinos.
O
cavalo na simbologia da potência e da glória, da conquista e da
derrocada. Está presente em quase todo parágrafo. Esse Dicke é realmente
um bamba. Dostoiévski, Wordsworth e uísque paraguaio.
Li
uma citação de Gláuber Rocha sobre o autor, feita no antigo programa de
TV Abertura: “Ricardo Guilherme Dicke é o maior escritor vivo do Brasil
e ninguém lê, ninguém conhece!”. Quanto mais avanço no livro, mais vejo
que isso é bem possível.
Leoncavallo pensando: será que eu sou um músico ou serei um cavalo?
Cavalos
marchando, flexionando os joelhos, tudo em postura severa, cavalos de
circo correndo na arena circular com moças sentadas nas minhas garupas,
cavalos circulando na arena com um homem pulando do chão à minha sela.
Um pastor tangendo ovelhas súbito vê saindo de uma nuvem um cavalo com
asas voando, é Pégasus. Soldados constróem um cavalo enorme de madeira,
só o chefe sabe: os troianos vão recolhê-lo para dentro das amuradas,
com soldados dentro dele. Chove sobre o abismo, chove sobre o dilúvio.
Alexandre Magno vem de mais uma vitória sobre os persas, montado
majestoso sobre um cavalo belíssimo. O cavalo de Aníbal: sobre os Alpes,
prepara-se para invadir Roma e vem sobre um cavalo magnífico. O cavalo
de Gengis Khan: acabou de tomar a Manchúria e vem montado num esplêndido
cavalo. O cavalo de Júlio César: está de posse da colina de Espanha,
passa guarda às tropas e vem montado num cavalo maravilhoso. O imperador
Augusto passeia por Roma montado num cavalo que é um esplendor. Os
exércitos: os soldados limpam e lavam seus cavalos (...)E Babieca que
foi de El Cid e Rocinante que foi de Don Quixote de la Mancha, e milhares de outros cavalos enchendo o mundo.
Alguns poemas de Ricardo Dicke
VII
À beira do ouvido a música
à beira da cama o sono
à beira do silêncio as palavras
à beira do abismo Deus:
que mais queres além de música sono palavras Deus?
VII
Sei a hora em que a tarde úmida
penetra nos ossos
sei a hora em que o sol de inverno
se adentra no sangue
sei a hora em que a última luz
cala fundo no coração
sei a hora em que a íntima pulsação
da tarde cede lugar
à íntima pulsação do nascimento da noite
sei a hora em que se quebram os sentidos
silenciosamente e no segredo a alma
toma súbito conhecimento da beleza do abismo
e do abismo da morte
sei a hora da última devoção adoração
e do suave último êxtase bálsamo
que brotam dos murmúrios de Deus
XVI
Saciado
como a preponderância do sonho sacia
entre os caminhos que se multiplicam no presente
saciado enfim do Tempo que quanto mais sacia
mais fica por saciar persigo o sonho que não sacia
saciado da opulência do sonho
sequioso da sofrida realidade.
XX
A morte com seus caminhos de sombras...
vou-me pelas quebradas onde vagam as sombras dos avós...
busco eu mesmo e não acho:
onde estarei entre essas sombras nas quebradas?
já morri por acaso? nem eu sei...
pelas quebradas vaga a Morte
como uma sombra errabunda e fugidia
com seus caminhos de sombras
erram as sombras dos antigos e dos avós...
XXVI
Nuvens fogem ao longe
pássaros voam e desaparecem
eterna espera em vão
e as lágrimas como pérolas descem sem fim
XXVIII
Pássaros retumbam nos bosques
perfume dos grandes bosques negros
dos abismos dos precipícios
dos desfiladeiros vem a lembrança
da palavra perdida de Deus
longa é a noite de outono
céus azuis e planícies imensas sob a noite
XXX
Corações de exilados à lua e ao vento de outono
as folhas que vão tombando dançam revoluteiam
e parecem se afligir pela saudade da pátria: a floresta
ouves essa voz alta noite que sobe das profundezas dos
[bosques?
quantos outonos transcorreram? o rio passa sozinho sozinho...
de ano em ano parecidas são as flores que vem
de ano em ano diferentes são os homens que vem
ouve-se ao crepúsculo a tristeza dos pássaros
sol posto há muito fica a recordação das tardes
dentro do âmago do coração das noites profundas
ignoro antes de mim os homens que se foram para sempre
ignoro depois de mim os homens que virão e esperam chegar
nasce em meu coração um sonho infinito do universo imenso
que faz brotar-me nos olhos lágrimas de amargura
estradas desertas e brancas sob a lua calma eterna
longevidade longevidade seria quase querer a Eternidade.
Fontes:
Ricardo Guilherme Dicke
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