Casa Amarela
A casa é grande, madeira no piso e nos móveis. Seus
cômodos são vários, toc-toc dos saltos, das botas, das patas, dos chinelos e
tênis que correm livremente. Portas batem com leveza. Vez ou outra, com saudade
do corpo que as atravessam, estalam matreiras. Fechaduras só para atiçar os
olhos. Janelas ventam descabeladas cortinas de crochê. Através delas, o amarelo
trespassa. Inunda.
No quintal, sempre à tarde, meus pés caminham descalços
sobre as raízes de um grosso tronco. Este que agora é ainda caroço cuspido da
boca de uma criança levada. Mal sabe o moleque que do seu hálito surgirá a árvore
onde vou fincar minha rede. Tampouco que no espaço vazio onde brinca haverá um
ziguezague de varais. Talvez seja ele, já adulto, quem levará os pais para
assinar a papelada que passará a casa amarela para minhas mãos.
Sim, minha casa está nascendo. Começou há pouco, quando o
pai do menino pisou no terreno e comentou com a mulher - amiga minha lá na
frente - que ali será um bom lugar pra se viver. Estão ambos tão felizes,
sentados no chão, onde crescerá uma deliciosa varanda, que nem imaginam a outra
casa, bem maior e para eles mais bonita, que viverão após a casa amarela.
Talvez, a deles seja azul, mais perto do menino já doutor com direito a diploma
pendurado na parede.
Mas, por enquanto, sinto o cheiro deste primeiro tijolo.
Mês que vem o outro. No próximo ano, mais um. Todos cozidos pelo Sol de
uma terra que não sei onde é, mas que vai alimentar meu corpo (e de tanta
gente) quando a vida girar sua saia no tempo. Sim, o lá na frente... O empurrar
do portão de entrada, o ranger de uma ferrugem mais tranquila. Aquele sussurro
que vou dar pra mim mesma, "caramba, é aqui!"
Alguns dirão que me iludo. Mas é exato esse sentimento das
coisas. Sedução das damas da noite, sementes ocultas, no jardim ainda mato alto
e fresco, que me alcançam sabe-se lá como. Não tenho pressa.
Onde está a casa amarela?
Não faço a menor ideia.
Quando a encontrarei?
Tampouco.
Só sei que ela existe com suas portas abertas. Cômodos
amplos de esperança. Aconchego de uma vida sem luxo, nem frescura. Doce e
cotidiana. Pra quem chegar, já deixo o aviso: tem água na geladeira, café no
bule e bolo na mesa. Pega lá e vem cá na varanda papear.
Porque a casa é simples e amarela. Amarela e simples.
Como a vida que eu pretendo levar.
Todos os direitos autorais reservados a autora.
3 comentários
Muito, muito bom, cara Tatiana!!!!
Abraços
Jorge Vicente
Excelente trabajo...Felicitaciones!!!
Con afecto, saludos de
Raquel Luisa Teppich
Jorge e Kelly, super obrigada! Abraços!
Tati
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