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Casa Amarela [Tatiana Carlotti]

Casa Amarela


A casa é grande, madeira no piso e nos móveis. Seus cômodos são vários, toc-toc dos saltos, das botas, das patas, dos chinelos e tênis que correm livremente. Portas batem com leveza. Vez ou outra, com saudade do corpo que as atravessam, estalam matreiras. Fechaduras só para atiçar os olhos. Janelas ventam descabeladas cortinas de crochê. Através delas, o amarelo trespassa. Inunda.

No quintal, sempre à tarde, meus pés caminham descalços sobre as raízes de um grosso tronco. Este que agora é ainda caroço cuspido da boca de uma criança levada. Mal sabe o moleque que do seu hálito surgirá a árvore onde vou fincar minha rede. Tampouco que no espaço vazio onde brinca haverá um ziguezague de varais. Talvez seja ele, já adulto, quem levará os pais para assinar a papelada que passará a casa amarela para minhas mãos.

Sim, minha casa está nascendo. Começou há pouco, quando o pai do menino pisou no terreno e comentou com a mulher - amiga minha lá na frente - que ali será um bom lugar pra se viver. Estão ambos tão felizes, sentados no chão, onde crescerá uma deliciosa varanda, que nem imaginam a outra casa, bem maior e para eles mais bonita, que viverão após a casa amarela. Talvez, a deles seja azul, mais perto do menino já doutor com direito a diploma pendurado na parede.

Mas, por enquanto, sinto o cheiro deste primeiro tijolo. Mês que vem o outro. No próximo ano, mais um.  Todos cozidos pelo Sol de uma terra que não sei onde é, mas que vai alimentar meu corpo (e de tanta gente) quando a vida girar sua saia no tempo. Sim, o lá na frente... O empurrar do portão de entrada, o ranger de uma ferrugem mais tranquila. Aquele sussurro que vou dar pra mim mesma, "caramba, é aqui!"

Alguns dirão que me iludo. Mas é exato esse sentimento das coisas. Sedução das damas da noite, sementes ocultas, no jardim ainda mato alto e fresco, que me alcançam sabe-se lá como. Não tenho pressa.

Onde está a casa amarela?
Não faço a menor ideia.

Quando a encontrarei?
Tampouco.

Só sei que ela existe com suas portas abertas. Cômodos amplos de esperança. Aconchego de uma vida sem luxo, nem frescura. Doce e cotidiana. Pra quem chegar, já deixo o aviso: tem água na geladeira, café no bule e bolo na mesa. Pega lá e vem cá na varanda papear.

Porque a casa é simples e amarela. Amarela e simples.
Como a vida que eu pretendo levar.

Tatiana Carlotti - Balzaquiana convicta e amante das letras. Pulsa no Centro de São Paulo ao lado do Balzac, seu gato. Site: SobremargenS.
Todos os direitos autorais reservados a autora.

3 comentários

jorge vicente disse...

Muito, muito bom, cara Tatiana!!!!

Abraços
Jorge Vicente

Kellypocharaquel disse...

Excelente trabajo...Felicitaciones!!!
Con afecto, saludos de
Raquel Luisa Teppich

Tatiana Carlotti disse...

Jorge e Kelly, super obrigada! Abraços!
Tati