A arte de
transformar estranhos em amigos
A linha que separa
os bons dos maus não passa pelo estado, nem pela divisão de classes, nem pelos
partidos políticos, mas vem de dentro do coração do homem, escreveu o russo
Alexander Solzhenitsyn. Resta-nos o desafio de adotar novos modos de pensar,
novas formas de atuação, de nos organizar em sociedade, em suma, novas formas
de vida, encontrar um novo senso sobre nossa espiritualidade, porque estar vivo
deve ser algo mais do que apenas caminhar e falar.
Uma das perdas que
a sociedade moderna se ressente com mais intensidade é a perda de um sentido de
comunidade. Algo que já existiu num passado nem tão distante e que foi
substituído pelo anonimato cruel, pela busca de contato um com o outro
principalmente para fins individualistas, para obter ganho financeiro, para
avançar socialmente ou para viver relacionamento amoroso. Como as pessoas podem
retomar o espírito de comunidade na sociedade moderna que é centrada na
adoração do sucesso profissional?
Nos competitivos,
pseudo-encontros sociais focados no trabalho para a exclusão de quase todo o
resto é o preconceito que normalmente nos impede de construir conexão com os
outros. O que importa acima de tudo é o que está em nosso cartão de visita.
Aqueles que optam por passar a vida a escrever poesias, nutrir a alma com
conteúdo espiritual acentuado será deixado de lado por estar navegando em
sentido contrário aos costumes dominantes dos poderosos, que vão
marginalizá-los em conformidade.
Todos os indivíduos
são partes e são impactados por vários sistemas: familiar, cultural, econômico,
político, filosófico, tecnológico, ambiental, linguístico, educacional, entre
outros… Estes sistemas são interdependentes, sobrepondo-se, e cada um é, por
sua vez parte de um sistema maior. Se trabalharmos menos febrilmente, podemos
acolher ideias que nos permitam remendar alguns aspectos desalentadores do
nosso mundo fraturado e moderno, que nos fechou em eixos egocêntricos. Observo
que no mundo contemporâneo não falta lugares onde podemos nos divertir,comer
bem, inclusive nos locais de trabalho, mas o que é significativo é que quase
não há locais que podem nos ajudar a transformar estranhos em amigos.
O grande número de
pessoas que frequentam bares e restaurantes, cafés sugerem que esses ambientes
são refúgios do anonimato e frieza. Em um restaurante moderno, o foco é a
comida e a decoração, não há nenhuma possibilidades de ampliação e
aprofundamento de afeto. Esses locais reafirmam a existência de divisões
tribais e limitam-se a trazer pessoas para o mesmo espaço físico, mas não têm
qualquer meio de incentivá-las a fazer contato um com o outro uma vez que estão
lá.
Vislumbro uma
transformação global silenciosa, como um fluxo de água abaixo da superfície da
nossa cultura, que possa nos despertar e nos desafiar a escolher um caminho com
um senso mais profundo de solidariedade. Uma comunidade só poderá ser integrada
e saudável se for construída com base no amor e na preocupação das pessoas umas
pelas outras. Falar de solidariedade é falar das coisas do espírito. A dimensão
espiritual é o único ingrediente que pode fazer as pessoas se unirem.
Olga Borges Lustosa é cerimonialista pública e acadêmica de Ciências Sociais pela UFMT e escreve toda terça feira no Blog do Romilson.
E-mail:olga@terra.com.br
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