Palavras quando não ditas esfumaçam. Circulam debaixo
da pele aguardando o toque que as liquefaça novamente. Dependendo do tamanho,
alcançam os olhos e embaçam a visão. Começam sempre com uma frase que perdeu o
time, por medo, susto ou distração.
Palavras gasosas se protegem no surrealismo das
ilusões. Grandes ou pequenas, imagem e cor, elas são fugazes feito um
arco-íris. Jamais gritam. Precisam de algo que as aqueça a ponto de chover ou
se tornarem sólidas. Enquanto não podem, bebem garoas alheias. Salivam em
outras vozes. Respingam citações.
Às vezes se distraem com as sensações da superfície da
pele. Como um vizinho que ouve a voz de alguém, copo de vidro na parede, à
espreita. Outras, reagem. Espirram pontos finais ou jorram reticências. Dependendo
da fúria, disparam enlouquecidas no corredor do corpo humano. Um vendaval capaz
de comprimir o coração, acelerar a corrente sanguínea, irrigar cada um dos
órgãos.
Para contê-las é preciso respirar.
Palavras gasosas se acalmam com ar. Há quem durma para
diminuir as trovoadas. Outros inventam pára-raios. Dizem os entendidos que o
melhor caminho é soltá-las. De preferência num tom de voz que seja claro o
suficiente. Mas nem sempre é possível. Tal como no filme de Buñuel, palavras
gasosas só deixam a sala de estar após a lembrança de como foram parar ali.
O problema é que elas não são domesticáveis.
Palavras gasosas só adormecem no silêncio. Há quem diga
que com muita meditação elas se dissolvem no tempo. Bobagem. Palavras gasosas
transmutam. Passam do real ao imaginário e do imaginário ao real com tamanha
sutileza...
Porque, enquanto não chovem, elas dão ouvido às sereias
subcutâneas. Festejando a poesia de quando escorrerão pela boca num sólido (e
úmido) sorriso.
Palavras gasosas são utopia a espera do tempo.
Tatiana Carlotti - Balzaquiana convicta e amante das letras. Pulsa no Centro de São Paulo ao lado do Balzac, seu gato. Acredita na força da delicadeza e na densidade da leveza. Ama bastante. Ainda sonha... Site: SobremargenS.
Todos os direitos autorais reservados a autora.
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4 comentários
Que texto gostoso. Desceu como uma tônica gasosa.(risos)..
Interessante..relamente ,acredito, que palavras assim como as distingue ,"não são domesticáveis" como vc escreveu!
Abraço , gostei muito deste texto
Que texto gostoso. Desceu como uma tõnica gasosa ( risos).
Realmente, como descreve ,palavras gasosas " não são domesticáveis"...
fiz um comentário anterior, mas acho que não entrou ...vamos tentar este..
gostei muito do texto, abraço
Concordo com a Jara mas como ela já fez dois comentários, vou me conter. Mas gostei bastante, escreve como quem sabe, a palavra flui.
Interessante coincidência: de madrugada vi "Meia Noite em Paris" de Wood Allen e o filme é citado,ou mlhor, ditado, ao próprio Buñuel, numa concepção invertida do tempo.
Ô Jara, obrigada! Que bom que você gostou. Stenio, vi sim o Meia Noite em Paris, adorei... Aquela cena com o Bunuel é simplesmente deliciosa, rindo aqui só de lembrar.
beijos aos dois!
Tati
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