Estilingando amores ...na Bahia
Paula Ivony Laranjeira de Souza- Formada em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB. Atualmente mantém o blog Pesponteando: retalhos literários.
BRANDÃO, Alexandre. Amores vagos. Et al. Niterói, RJ: Alternativa, 2010.
Nascido do encontro de amigos, Amores vagos é uma coletânea de quatorze contos que provocam no leitor as mais variadas emoções. Nele, o amor se apresenta com variadas faces.
Como que preparando o leitor, o primeiro conto relata a paixão carnal de uma garota pelos livros, o que pode ser entendido como prenuncio do que acontecerá nas páginas seguintes entre os leitores e o livro. Neste conto é possível encontrar passagens quase eróticas. Vejamos: “Nossos corpos deslizavam, um ao lado do outro, as páginas dele respondiam às pontas dos meus dedos(...)”(p.16), “Um corpo novo a cada mordida da pele do texto, a cada lambidela espalhada sobre o branco, fazendo surgir letras(...)”(p.17) e “(...) sabia das coisas do corpo entre um livro e uma menina (...) o eu e o tu embrenhados em colóquios secretos e profanos(...)”(p.18). Inicialmente me lembrei de Clarice Lispector e o seu Felicidade Clandestina, mas o que lá se configurava em uma grande amizade e veneração da garota pelo livro, aqui se mostra mais carnal, há desejos e uma paixão avassaladora. Será que esse sentimento febril também tomará o leitor em todos os contos do livro? Por certo, pode-se dizer, que não há vontade de parar a leitura. Um conto puxa o outro.
Inicialmente, observei a capa, e fui tentando estabelecer ali minha primeira leitura: a flor, os pássaros e os carrinhos, tudo aliado ao título do livro. Pensei no encontro ou namoro (a flor), seguido pela vida conjugal (os pássaros) e os frutos desse relacionamento, os filhos (os carrinhos). Depois de ler, vi que não estava muito ruim em análise do discurso através das imagens, porém fui além, depois da leitura, nestas relações. O amor em suas várias representações me tocaram, as emoções fluíram.
E que amores são estes? Como percebê-lo? Bem, o amor ora se põe entre “o homem de terno e de guarda-chuva” e “o homem de brinco na orelha” ora entre a avalanche febril de desejos entre Carlos e Fátima. Mas também se faz presente no ciúme amoroso em relação à Filipa, ou melhor, à chegada da nova moradora, Ana Eliza. Se cristaliza nos emocionantes desfechos da vida de Carol e Deyse, que no leitor menos preparado pode cair lágrimas. Num outro canto, se personifica na busca identitária de um nerd em salas de bate-papo. Este amor presente em Amores vagos é mesmo camaleão. Assume formas e caras inquietantes. No escritório, o amor pousa ora numa garrafa de Magnífica ora num pardal. E se faz presente nas “linhas tortas” da vida de Guto, ou na regrada vida de Marcela, que por força de uma terça-feira dá novo rumo à sua vida, tendo que escolher entre Getúlio e Juvenal. E ainda, vai além, volta no tempo, e traz da Idade Média o encanto dos ciganos, as lendas que cercam suas histórias de amor, que no livro realiza em torno de Ariel, o belo homem que leva mulheres a comerem o coração de um rei. Outrora, vai além da vida, na busca incessante de uma explicação bem como da plenitude amorosa vestida em trajes celestiais, onde um nasce por entre o outro. Além disso, causa perplexidade diante da possibilidade de um incesto, como em “Herança”. Mas tanbém se manifesta através do silêncio de uma mulher que se casa para ser uma boca a menos na casa paterna e no silêncio, também, do seu marido traído. E não menor amor é o que se corporifica em Edilamar, que se prostitui para cuidar da mãe e do irmão.
Assim, o que se tem em Amores vagos é um mosaico social das relações humanas (previsíveis, hilárias, comoventes, e principalmente imprevisíveis e inusitadas). O amor aqui se manifesta nas relações entre homem e mulher (do namoro ao casamento, das brigas e dos beijos), mas também no amor fraterno, no amor recíproco entre pais e filhos, nas amizades, na admiração... Nesse sentido, a reunião de amigos para dar forma a um livro, não permite apenas a expressão artística, mas se torna um “lugar” de discussão social daquilo que muitas vezes, está presente em nosso meio. Ao observar a miscelânea tipológica de personagens e enredos, visualizamos o ser humano, e neste a nós mesmos, e descobrimos como nos comportamos diante de cada situação e como o cotidiano nos molda, nos “limita” ou nos prepara surpresas.
Sou o tipo de leitora "cartomante", adoro prever o futuro. Não deu certo! Em cada conto, fui surpreendida. E confesso, o não previsível é muito melhor.
Àqueles que encontrarem este livro em alguma esquina, ou em algum outro lugar, tome-o em suas mãos e boa leitura. Porém, logo depois, estilingue-o em outra direção para que mais pessoas tenham o prazer desta leitura.
E falando em amor...
SONETO DE FIDELIDADE-Vinicius de Moraes
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
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