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Rio Amazonas |
”Quem come jaraqui não sai mais daqui”
- É verdade que se comer jaraqui não sai mais daqui? Ela perguntou-me.
- Não sei se é exatamente o jaraqui, mas normalmente quem vem para cá não quer mais ir embora, mas se você quiser experimentar...respondi.
- Eu quero, mas vou comer e não vou ficar aqui – disse ela.
- Tá certo, vou trazer jaraqui para você, apesar de não ser fã dele mas quem sabe você gosta.
E foi com este ditado popular amazonense que Elisabeth, minha amiga paulista me perguntou pelo “tal” encantador de pessoas.
Não gosto de jaraqui apesar de morar aqui há muito tempo, outros peixes possuem um sabor muito melhor, porém o jaraqui é um peixe popular e fácil de encontrar o ano inteiro, é fácil de fazer apesar do pitiú (cheiro forte).
O jaraqui é um peixe barato, em média R$ 20,00 a dezena.No interior do estado e em alguns locais da cidade o costume de comê-lo frito no café da manhã ainda existe.
No café da manhã? Você deve estar se perguntando.
Isso mesmo, ao invés de pão, café com leite, come-se jaraqui com farinha! Tive uma vizinha que fazia isso e eu acordava todo dia com o cheiro de peixe frito a invadir meu nariz.
Então trouxe “uma enfiada” de jaraqui para Elisabeth preparar. Ela o lavou e temperou com limão e sal e pôs para fritar em óleo bem quente, ele ficou vermelhinho, torradinho, bem bonito de se ver. E comeu, comeu, mas comeu com gosto!
Eu olhava e via a satisfação dela em provar o bendito “jaraqui”, e quando acabou disse-me:
- Que gostoso! Muito bom! Amei.
Pra quem já tinha experimentado tambaqui e matrinxã gostar de jaraqui não era tão surpresa assim, mas enfim ela gostou do peixe.
No meu aniversário de 41 anos fomos a uma peixaria famosa da cidade onde jantamos Caldeirada de Tambaqui e Matrinxã assado de forno em espinha. Este dois peixes são considerados peixes nobres, possuem um sabor maravilhoso. Nossa família gosta de ir a peixarias em datas comemorativas, em Manaus temos várias, todas muito boas e que servem com serviços a la carte ou rodízio de peixe.
E neste dia ela se encantou com o tambaqui e o matrinxã, dois pesos pesados do rio Amazonas, eu já havia levado tambaqui para ela em São Paulo na última viagem , fiz uma Caldeirada, mas não chegava nem perto da que o restaurante faz.
O tambaqui pode ser preparado de várias formas:cozido (caldeirada), assado (forno ou brasa) frito (costelinha frita) moqueca e aescabeche, classicamente estas formassão mais comuns, mas pode ser, também, transformado em outros pratos como lasanha, moqueado, com camarão.
O tambaqui alcança até 90m cm e 40 kg em média, é comercializado a preços que variam de acordo com a sua idade, quando jovens se chama ruelos e custam em média R$ 25,00 a R$ 50,00 , os tambaquis adultos variam entre R$ 60,00 a R$ 200,00 e são muito procurados pelos restaurantes manauaras que cobram por uma caldeirada para duas pessoas a média de R$ 70,00. O acompanhamento é o pirão escaldado com farinha do uarini, arroz branco, vinagrete, molho de pimenta malagueta ou murupi e limão a gosto, ou pra quem gosta de fazer seu próprio pirão amassa-se uma pimenta no prato, coloca-se o caldo e adiciona a farinha mexendo até misturar completamente depois coloca-se o peixe com o limão, por que peixe sem farinha, pimenta e limão não é peixe!
Mas meu peixe favorito e de 8 entre 10 manauaras, se chama Matrinxã e este ganhou o coração de Elisabeth. De sabor inigualável é um peixe gorduroso que só pode ser preparado assado na brasa ou no forno devido ao seu teor de gordura muito alto, rico em ômega 3 como o jaraqui. O peixe que aceita um tempero simples: limão e sal, possui um sabor exótico, diferente, eu costumo dizer que me realizo nele com a falta da picanha. Pode ser recheado com vinagrete. É relativamente acessível, custa em média R$ 20,00 a R$ 40,00 a unidade que servem duas a três pessoas dependendo do tamanho e do apetite por ele. A Matrinxã é um peixe que fala por si só, não se divide em muitos pratos como o tambaqui, mas tem seu destaque entre a população por ser fácil de fazer e, claro, por ser muito gostoso, no interior costumam assá-lo na folha da bananeira.
Mas nós temos um peixe que é rei, sua realeza é tanta que ele ganhou o título de Bacalhau da Amazônia, o Pirarucu! É um peixe nobre, encorpado, gostoso, de textura fácil de trabalhar e que origina diversos pratos
Quando fui a São Paulo a primeira vez levei pirarucu seco na mala e quando cheguei na casa de Elisabeth preparei uma prato regional chamado Pirarucu de casaca, estava meio de “camiseta” por faltar alguns ingredientes, mas o principal tinha que era a banana frita, farinha do uarini (que ficou de molho no leite de coco), as verduras cortadas e fritas, bastante cheiro verde e o pirarucu desfiado e temperado. Elisabeth comeu e adorou o peixe desconhecido.
O pirarurucu pode ser encontrado na forma fresca ou seco. Também é comercializado a preços regulares, em torno de R$ 20,00 o kg (pirarucu fresco) e R$ 18,00 o kg (pirarucu seco). Em 2011 foi inaugurada a fábrica do Bacalhau da Amazônia que comercializa o produto com preços regionais a R$ 55,00 kg e para exportação R$ 90,00 kg, O peixe chega a 3 metros de comprimento e pesa 250 kg em média, suas escamas são comercializadas como artesanato e “serrinha" de unha.
O tucunaré também é um peixe médio, famoso pela sua caldeirada e pela firmeza de sua carne, também por ser muito saboroso recheado, é comercializado a preços acessíveis em torno de R$ 8,00 o kg. É um dos peixes disputados na pesca esportiva.
Outros peixes famosos compõem a mesa manauara, como por exemplo: a sardinha, o pacu, o aracu, a pescada, a piranha, o surubim e o famoso bodó de onde se faz o piracuí, uma farinha de peixe muito gostosa que origina muitos pratos desde o bolinho de piracuí até uma lasanha de peixe, muito consumida aqui em minha casa. Na verdade nos rios amazônicos existem cerca de 1.300 espécies de peixes, estes são apenas os mais consumidos e comuns entre nós da capital, no interior do estado existem muitos outros que nunca nem ouvimos falar.
Manaus é a maior consumidora de tambaqui do Brasil, por isso os viveiros começaram a ser comercializados, mas quem é Manauara não come peixe de viveiro, ele não tem o mesmo sabor e, só de olhar, a gente sabe que ele foi criado em cativeiro. O manauara não gosta de peixe congelado, ele perde o sabor, portanto, supermercados só para quem não entende de peixe mesmo. As feiras é que fazem o sucesso das vendas e nelas e que se consegue peixe fresco todos os dias.
E a paulista ficou? Vocês devem estar se perguntando. Bem, isso já tem quase um ano e ela está por aqui, claro que não é somente pelo jaraqui, mas eu continuo comprando para ela, quem sabe né?
Jane Uchôa. Paraense de nascimento, amazonense de coração. Mãe, Técnica em Enfermagem, escritora e mulher.
14 comentários
Lendo o seu texto Jane Uhôa, vi que apesar da distância e das diversidades de uma região para outra ,as lendas , folclore e os pratos típicos de cada região de alguma maneira se assemelham, aqui na nossa região “quem come cabeça de pacu não sai daqui”.
Diz a lenda de cabeça de Pacu diz que aquela (e) que aqui chegar e comer da cabeça de Pacu jamais daqui sairá se caso for solteiro (a) casará com uma cuiabana (o), se for casado estará condenado a viver pelo resto de sua vida aqui.
Uma lenda, muito viva nas letras de músicas e contos dos poetas regionais, e nas brincadeiras com os migrantes e turistas, tornou-se mais que uma referência histórica da capital mato-grossense, é símbolo da cuiabania.
Ca pra nós rsssssssss, o pacu assim como tantos outros peixes saborosos que temos, quem iria comer logo a cabeça do pacu?
Parabéns pelo lindo texto e pela oportunidade de conhecer um pouco mais a sua região, bjus
Oi Ivana, obrigada pelo seu comentário e visita. A coisa é mais séria por aí hein! e realmente depois de ter tanta coisa boa vai comer só a cabeça do pacu! rsrs,mas aqui comemos a cabeça do peixe também e como dizem "desmontam a caixa de marcha do bicho""!! seja bem vinda. bjs
Querida Jane... Seu texto me deixou com água na boca...
Como todo amazonense que se preze eu adoro todos os peixes mencionados por você... E também o pacu que a Ivana acrescentou em seu comentário. Nossa diversidade de fauna e flora são nosso orgulho! Você, como amazonense de coração, desvenda um pouco dos segredos e mistérios amazônicos para os olhares curiosos do mundo. Parabéns, querida!
Jane Uchôa sou ligada aos saberes e aos sabores. Seu texto proporciona uma leitura saborosa e estimula a imaginação para saborear a diversidade de peixes descrita. Tenho recordações boas de sabores de frutas, pratos típicos. Sempre quando se fala em peixe lembro-me de um peixe de sabor especial que degustei na Praia do Calhau, São Luiz-Maranhão. Não sei se foi o jaraqui. O sabor é inesquecível! Então, lendo o seu texto viajei para Manaus de forma imaginária. Encerro com um pedido: Jane Uchôa um dia irei a sua terra para comer o famoso jaraqui preparado por vc. Abç Ona Silva
Oi Claúdia é um prazer tê-la por aqui lendo nosso texto. Nossa terra tem uma culinária riquissima como vc falou da diversidade. Onã pode vir que preparei um jaraqui com baião de dois hummmmm!!!delicia! bjs
Jane
Ri muito com a construção deste texto delicioso sobre nosso diálogo sobre o Jaraqui. Amei sim este peixe delicioso, apesar de ser frito - coisa que você sabe que evito.
E a ameaça que fica sobre minha cabeça com estes banquetes de peixes amazonenses e este que deixa os forasteiros por aqui, apesar de me assustar, não é suficiente para me afastar deste peixe delicioso - o Jaraqui.
Fora o Jaraqui, muitos outros peixes deliciosos fazem parte da mesa deste povo carinhoso e hospitaleiro deste Estado maravilhoso.
Este provérbio comum ao povo deste Estado, que originou minhas indecisões e parece que me amarra por aqui ainda, trouxe a existência este texto maravilhoso.
Parabéns amada por este trabalho lindo.
Apresentas esta terra maravilhosa de forma grandiosa e mesmo quem não conhece estas paragens passa a amar este pedaço gigante de Brasil, com suas tradições e histórias e agora, com a boa mesa manauara.
Depois de um Jaraqui delicioso e bem acompanhado, que tal um suco refrescante de cupuaçu?
Que todos os visitantes deste Estado conheçam os sabores e saberes deste que me conquistou, mesmo com seu intenso calor.
E que venham novas histórias!
que beleza de texto!!! Vc consegue despertar no leitor a vontade de sentar á mesa de um restaurante e empanturrar-se com o sabor exótico dos nossos pescados. Há!!!Janinha.. vc consegui fazer a minha boca salivar de fome!!! Adorei, como sempre... adorei!! Beijokas... mil..dois mil.... há... beijosssssssssssssssss muitos...Livete Brito
É Beth os peixes são nosso carro chefe na cozinha e como você mesmo vê diarimente não é difícil comer de forma saudável. Obrigada pelos elogios a meu forninho particular rs. Ah Livete nem me fala em água na fome, eu fiquei com fome escrevendo o texto!! bjsssssss
Jane querida...a verdade verdadeira é que o seu texto que a Livete Brito nos diz que é uma BELEZA, é também DELICIOSO na afirmação da nossa amiga Elisabeth e LINDO na opinião da amiga Ivana...e mais ainda quando a amiga Claudia fica com água na boca e a Ona Silva fala que é SABOROSO e que estimula à imaginação...eu vejo em tudo isso o sabor do jaraqui expresso na forma mais genial da palavras...Quem como Jaraqui não sai mais daqui....parabéns por mais essa obra de arte, amiga Jane Uchôa!!! MARIUS BELL
Lendo o texto, deu para sentir o cheiro... e que delícia de passeio pela culinária cabocla. Parabéns pela abordagem Jane.
Jane,Parabéns pela desenvoltura do texto, foi tão bem descrito,que deu vontade de estar ai em Manaus para comer esses peixes,rs.amoo.rs A Elisabeth me enviou o link do seu texto para que eu entendesse porque ela ficou ai em Manaus, consegui entender, os sabores, a beleza, o amor, o carinho,até eu ficaria.rs. Um beijo,excelente texto descritivo, eu como leitura, pude caminhar com você, pela percepção com que você traduziu a sua narrativa. Deus abençoe.
Obrigada querida Ailda, nossa terra aqui é acolhedora e quente (em todos os sentidos rs)e os peixes são mágicos mesmo. bjs
É parece que quem come jaraqui não sai mesmo daqui. Hoje faz 6 anos que vim passear em Manaus.
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