IFIGÊNIA [Raul J.M. Arruda Filho]
Algum tempo depois, tudo se esclareceu. Aniceto entrou no cinema abraçado com Cleuza, uma morena sorridente, de coxas largas e olhar safado – daqueles que derretem qualquer tipo de resistência masculina.
Não faltou amiga (da onça) para, no mesmo instante, correr até a casa de Ifigênia e contar, tintim por tintim, o que todos haviam visto.
Lágrimas escorreram pelo rosto de Ifigênia, como se fossem filetes de ódio.
Jurou vingança. Aquela desfeita não poderia passar
De qualquer forma, em um primeiro instante, a vingança ficou na promessa. Sem saber como agir, Fernanda deixou o tempo passar. Enquanto isso, Aniceto e Cleuza aproveitaram as coisas boas da vida – audaciosos amassos escandalizaram "as senhoras de respeito". O difícil era entender como elas conseguiam ver o que estava acontecendo nos lugares mais escuros da praça. Quase todas as manhãs, detalhes escabrosos corriam de boca em boca, alimentando o clima de fofoca que incendiava o bairro. Por mais que Ifigênia fizesse "ouvidos de mercador", em alguns momentos era inevitável encarar, de frente, a tragédia. A única diferença era que não havia mais choro. A fonte secara.
Depois de algum tempo, talvez três meses depois, o carteiro entregou para Ifigênia um envelope azul. Era o convite de casamento. Cheia de raiva, o rasgou em mil pedaços. Depois, mordeu o lábio inferior até sentir o sabor adocicado do sangue.
Cleuza atravessou a nave com a graça inequívoca das noivas felizes. Diante do altar, estendeu a mão para Aniceto. O padre iniciou a cerimônia. Um "clima" de angústia tomou conta do ambiente. Todos os convidados, sem exceção, olharam para Ifigênia. Esperavam por algum escândalo. Casamentos solicitam baixarias.
Ifigênia permaneceu imperturbável. Não esboçou a mínima reação – nem mesmo na hora do "se alguém souber de alguma coisa que possa impedir esse matrimônio, que fale agora ou cale−se para sempre". Parecia não ter nada com o assunto.
Quando os noivos começaram a receber os comprimentos na porta da igreja, Fernanda fez questão de desejar felicidades para os dois "pombinhos". Aproveitou a oportunidade para pedir desculpas: não poderia comparecer à festa, infelizmente tinha outro compromisso.
Em seguida, se afastou um pouco e abriu lentamente a bolsa. Teve dificuldade para encontrar o que estava procurando. Quase derrubou um batom no chão. Finalmente, pegou um lenço cor−de−rosa e, em câmara lenta, enxugou o suor que teimava em borrar a maquiagem.
Aniceto, uma tarde, chegou mais cedo
Sem uma gota de arrependimento, Ifigênia está namorando Francisco (que até agora não havia entrado nessa história). Quer casar. De véu e grinalda. A carta anônima, denunciando a traição de Cleuza foi ela quem escreveu. Aqueles telefonemas estranhos, no meio da noite – bastava Aniceto atender para que desligassem – também foram idéia sua. Em algum lugar no passado havia lido que "a vingança é um prato que deve ser servido frio".
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