Chamou a atenção do motorista e de alguns passageiros quando subiu, cambaleante, os degraus do ônibus, parecendo embriagada. Algumas mechas caíam-lhe do rabo de cavalo malfeito, grudando-se ao suor do rosto lívido. O corpo encurvado, a mão trêmula sobre o ventre e o rosto que se contorcia em esgares faziam pensar no que estaria acontecendo àquela menina magra de pouco mais de 18 anos. Olhos baixos, como se a claridade a incomodasse, aceitou o lugar que lhe foi oferecido por milagre no veículo lotado. Tão logo se sentou, sentiu as carnes repuxando por dentro e uma dor muito forte no peito, impedindo-a de respirar. Alguma coisa não tinha dado certo. Ela ainda podia sentir os ferros da fazedora de anjos arrancando, indiferente, o seu destino indesejado. Por entre as pernas dormentes, escorreu um sangue escuro, sujando a calça jeans surrada, mas ela manteve as duas mãos pressionando a barriga, mostrando que só ali havia sofrimento. Quase desfalecida, foi deixada por uma alma anônima num hospital público, onde morreu sozinha no chão sujo do banheiro, poucas horas depois, esperando atendimento. Antes de fechar os olhos para sempre, escutou o chorinho fraco de bebê e a voz de criança que lhe pedia: “Vem, mamãe, vem também!”.
Cinthia Kriemler - Formada em Comunicação Social/Relações Públicas pela Universidade de Brasília. Especialista em Estratégias de Comunicação, Mobilização e Marketing Social. Começou a escrever em 2007 (para o público), na oficina Desafio dos Escritores, de Marco Antunes. Autora do livro de contos “Para enfim me deitar na minha alma”, projeto aprovado pelo Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal — FAC, e do livro de crônicas “Do todo que me cerca”. Participa de duas coletâneas de poesia e de uma de contos. Membro do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal e da Rede de Escritoras Brasileiras — REBRA. Carioca. Mora em Brasília há mais de 40 anos. Uma filha e dois cachorros. Todos muito amados.
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2 comentários
As vezes a vida chega com alegria e se vai na dor e na tristeza..
Parabéns por narar tão bem a história da vida.
Um abração
Obrigada! Gostei dessa perspectiva: "história da vida". E não é?
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