por Haroldo Castro
Conheci o trabalho fotográfico de Luciano Candisani quando eu ainda trabalhava na ong ambientalista Conservation International, em Washington, DC. Precisávamos de algumas fotos de muriqui e ele possuía algumas imagens singulares.
Mais de uma década depois, deparo-me com seu último livro “Pantanal na linha d’água” (National Geographic, 2013, 205 páginas). Nele, Candisani apresenta a água e sua dinâmica como o elemento fundamental na gênese e manutenção da vida na grande planície inundável da Terra, o Pantanal. É uma abordagem inovadora de um ambiente já conhecido e documentado a exaustão por inúmeros filmes, reportagens e livros.
Na busca por sua interpretação pessoal do tema, Candisani elegeu como elemento fundamental de sua narrativa visual a espécie mais comum e mais clicada da fauna pantaneira, o jacaré. Vítimas de um dos maiores massacres de animais silvestres jamais vistos – a época dos coureiros –, esses animais foram abatidos ilegalmente aos milhões para abastecer o comércio internacional de peles durante as décadas de 1980 e de 1990. Estima-se em mais de um milhão a quantidade de animais mortos. Todos com apenas um tiro de espingarda 22, entre os olhos, para não estragar o couro. O final dessa atividade criminosa só aconteceu em 1992, às vésperas do evento Rio-92, quando uma ação intensa da Polícia Militar Florestal (Polícia Ambiental, na época) interrompeu a matança que poderia ter levado a espécie a desaparecer.
No período da seca, os jacarés concentram-se em grande número nas lagoas remanescentes em busca de peixes e de abrigo contra o sol abrasador. Essa imagem foi feita durante o crepúsculo vespertino, próxima à estrada transpantaneira, em uma lagoa habitada por mais de quatro mil jacarés.
Hoje, protegidos por lei, os jacarés voltaram a ocupar seu ambiente natural. Estima-se que 10 milhões deles vivam no Pantanal. É o bicho mais visto e fotografado pelos visitantes: fica parado, tomando sol durante horas, imóvel nas praias ou flutuando na superfície de rios e das baías. Antes, alvo das espingardas, hoje é mira fácil das câmeras fotográficas. “O bicho se acostumou à presença humana, pois sabe que não vai levar um tiro de verdade”, afirma Candisani. “Há 20 anos, nenhum jacaré ficava a menos de cinco metros de uma pessoa.”
Candisani fotografou seu primeiro jacaré em 1985, quando, aos15 anos, foi ao Pantanal com o pai. “Eram muito ariscos. Só víamos os repteis à noite, com lanterna, e os olhos brilhavam”, diz. “De lá para cá, muita coisa mudou, incluindo o equipamento fotográfico”. Todos concordamos que a era digital trouxe um grande alívio para os fotógrafos que podem, agora, ver o resultado de sua imagem no mesmo instante.
Quando o Pantanal começa a encher, em poucos dias campos naturais de gramíneas ganham os contornos de rios e uma floresta aquática colorida surge do fundo.
No caso das fotos subaquáticas de Candisani, checar a imagem final é essencial para corrigir possíveis erros. “Para as fotos onde se vê, na metade inferior, o ambiente aquático e, na metade superior, a superfície, é indispensável acompanhar o resultado da imagem”, afirma Candisani. “Existem muitas variáveis em jogo: a luz externa, a luz interna, o uso de flash, o foco e até as gotas de água que escorrem pela lente.” Para a foto que se tornou capa do livro, ele precisou usar dois flashes embaixo d’água e um terceiro na superfície.
Outra característica das fotografias subaquáticas de Candisani foi mostrar o comportamento pouco conhecido dos jacarés, como, por exemplo, de pé com as patas traseiras apoiadas no fundo de areia, como pequenos tiranossauros. Outras imagens mostram o réptil nadando com a agilidade de um peixe ou, quando ainda recém nascido, camuflado na vegetação aquática.
No final do período das chuvas, os peixes deixam os campos inundados em direção aos rios principais, passando por canais estreitos. Jacarés tiram proveito da situação de alimentação fácil. Os dois repteis brigavam pela melhor posição para o banquete.
“O que me permitiu trabalhar em segurança e a curta distância com esses predadores foi a “minha descoberta” de um comportamento que notei quando fazia uma matéria sobre raias, no Pantanal”, afirma o fotógrafo. Ele viu que os jacarés estavam completamente concentrados na passagem de cardumes e não reagiam a nada além dos peixes. Teve então a ideia de procurar mais situações daquele tipo para poder se aproximar com segurança dos predadores. Deu certo.
O jacaré, adaptado aos extremos de chuva e da estiagem, simboliza a dinâmica das águas no Pantanal. Infelizmente, segundo o autor do livro, vivemos um momento de risco iminente para o equilíbrio hídrico da região. Algumas das nascentes principais dos rios provedores de água para a planície pantaneira nascem nas chapadas ao redor, no Cerrado, e se encontram na rota do desmatamento. O caso mais dramático aparece no último capítulo do livro. Em uma fotografia aérea, Candisani registrou, nas Chapada dos Parecis, MT, as nascentes do rio Paraguai – o principal do Pantanal – totalmente expostas, sem mata ciliar, imersas em um mar de lavouras. “É um alerta aterrador”, afirma.
Durante o período chuvoso, tempestades tropicais são frequentes no Pantanal. Essa foi registrada sobre o rio Touro Morto, afluente do Aquidauana. O formato inusitado da nuvem não durou mais do que cinco minutos. É um exemplo do trânsito de umidade pela atmosfera, os chamados rios voadores.
O ano de 2011 foi marcado por uma das maiores cheias já registradas no Pantanal. As chuvas provocaram a inundação de áreas normalmente fora dos limites da água, como a dessa árvore nas proximidades do rio Miranda.
Todas as fotos acima são de autoria de © Luciano Candisani.
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