– Como assim, “o que
estou fazendo?” Eu
estou fazendo o fogo, oras! O que pensou que eu estivesse fazendo com a cabeça
enfiada na churrasqueira? – responde o Afonso com rosto, mãos e braços pretos
de fuligem e o humor visivelmente alterado – Eu sei que são suas essas revistas
de decoração! Estou arrancando só as páginas com propaganda… Essa aqui? Ah, é
sobre piscina, não tem espaço mesmo aqui em casa mesmo! Acontece que o carvão
não está ajudando! E depois, Clotilde, eu te pedi, não foi? Não diga que peguei
suas revistas sem autorização! Não, não eram pra abanar... Você que não
perguntou! Pois é, eram pra colocar fogo nelas mesmo! Ou você acha que algum
mortal consegue produzir alguma chama com essa cerinha que vem junto com o saco
de carvão?! Para abanar estou usando a tampa de um tupperware. É sim, Clotilde,
esse plástico na minha mão “era” o seu tupperware! Eu não usei o ventilador
porque pegou fogo nele no churrasco passado. Eu sei que eu devia ter te
contado! Tá bom, eu compro outro! Você vai me deixar fazer o fogo, ou não? Óh,
tá vendo? Você me distraiu e derreteu a tampa...
– Oi, galera, vamos entrando! Sintam-se em casa... Cheiro de
plástico queimado? Não... Não tô sentindo! Mmmm, o que vocês trouxeram de bom?
Pode botar na geladeira! Psiu... Pssssiu... Clotilde, vem cá! – sussurrando –
Eu não te disse que era pra organizar melhor? Já trouxeram seis saladas de
cebola e nenhuma maionese! Como assim, só confia em maionese que você que fez?!
Pois saiba que a mulher do Jonja faz a melhor maionese do bairro! Não diga
isso... Injustiça! Já te disse que aquele dia o que te fez mal foi a
caipirinha!
– Puxa, que surpresa! Não, a Clotilde não me contou que
você ia trazer seus primos, mas tudo bem, vocês são de casa! Na verdade, nem
sabia que vocês viriam... Todos vocês! Mas são bem-vindos, claro! Onde
estacionaram o ônibus? Brincadeirinha... Se cunhado já não é parente, primo de
cunhado é o quê?
Clotilde, você convidou toda a sua família? Mas era pra
ser um churrasco para a minha turma do boteco! Não, Clotilde, eu não tenho nada
contra a sua família! É só que agora a carne não vai ser suficiente. Como
assim, tem umas galinhas congeladas? Tudo bem, mas se alguém da sua família
quiser comer picanha, posso oferecer uma sobrecoxa e dizer que a carne está reservada
para os meus amigos?
– Afonso Jr, eu não mandei deixar o cachorro trancado na
lavanderia? Não, eu não disse que era pra chamar o cachorro e trancar a
Gorete... Eu disse que era pra chamar a Gorete e trancar o cachorro! Vê se dá
um jeito nesse cão, ele já mordeu três convidados! Agora, por exemplo, ele está
tentando transar com a perna da Marina, mulher do Paulão! Sei lá como, meu
filho! Chama, assobia... É... eu sei... Se eu estivesse no lugar dele, também
não viria! Experimenta oferecer uma linguiça! Não, pra Dona Marina não, pro
cachorro! Eu sei que eu disse que vai faltar carne... Meu filho, vai lá e não
discuta! E não se esqueça de soltar a Gorete da lavanderia!
– Tudo bem, Jonja? Vamos entrando! Uhm, trouxe tudo isso?
Duas latinhas! Não vai fazer falta na sua geladeira? Vai se dar bem, hein?!
Bebe três dúzias e trouxe duas latinhas! Não, é claro que eu estou brincando.
Poxa, não fica bravo, foi uma piada! Não, imagina, não precisa ir ao boteco
comprar mais, eu falei por falar! Não se pode mais brincar? Mas se você for
mesmo, só por hipótese, pode me trazer dois sacos de gelo?
– Não, Clotilde, a carne ainda vai demorar! Serve mais
azeitona e palmito. Como assim, acabou? Tudo? Meus amigos fizeram guerra de
azeitonas? Duvido, eles podem ser mal-educados, mas são esganados. No máximo
fariam guerra com os caroços!
– Se está pronto? Não, Clotilde, ainda vai demorar...
Podem ser dez minutos como pode ser uma hora. Como assim, precisa saber
exatamente quanto tempo vai demorar? Pois fique sabendo que churrasco não é uma
ciência exata! Churrasco é arte! E depois, com o seu cunhado metendo o bedelho
na minha carne, já não me responsabilizo! Eu sei que ele quer ajudar, mas jogar
molho à vinagrete na minha picanha foi um pouco demais! Sem falar que ele está
dizendo pra todo mundo que eu fui ao banheiro e não lavei as mãos! Não, Clô,
quantas vezes eu vou ter que te dizer que eu não tenho prevenção contra a sua
família? O quê? Claro que eu lavei as mãos antes de mexer na linguiça! Bom, de
que linguiça você está falando?
– Tudo bem? Como é que está essa força? Você é quem,
mesmo? Ah, vizinho do cunhado da Clotilde! Uhm... Prazer, eu sou o dono da
festa! Ah é? Cerveja não cai bem no seu estômago?! Que coisa, hein? Se não tem
uísque nessa casa? Bom, eu tenho um que ganhei de presente e estava guardando
para uma ocasião especial, quando... Não, claro que eu não me importo! Está na
sala, na prateleira, em
exposição... Dezoito anos... lacrado... meu orgulho... Que é
isso... Claro que pode pegar! Não, é impressão sua, eu não estou com lágrima
nos olhos!
– Pessoal! Está
servido! Carne tem que comer na hora! Acorda sua mãe, Clotilde! Engraçadinha,
se ela desmaiou de fome, como está roncando?
– Vamos, pessoal, não vou chamar o dia todo! Eu sei que
isso é um prato de sopa, Greg. É que não tem prato raso pra todo mundo. Na
verdade, chegou um pessoal com que eu não estava contando... Ops, não, claro que
eu não estava falando de vocês!
– Clô, sirva uma maionese para os seus primos! Pergunta se
eles não querem um pãozinho. Bota mais salada... arroz... mais arroz... Que é
isso, Clô? Que ideia... Eu não estou me negando a servir carne pra eles! Que
tal uma farofinha?!
– Clotilde, será que você poderia dizer para a sua irmã
que se eu cortar pra ela só as “casquinhas”, a carne que sobrar não vai servir
pra mais nada?!
– Jonja, você podia vir aqui um minutinho? Seguinte: dava
de você não fazer mais xixi no vaso de palmeira da Clotilde? Eu sei que o
banheiro está ocupado há quarenta minutos! Se você quiser, eu vou lá dar uma
olhada se a avó da Clotilde não morreu sentada no trono! O quê? Ela já saiu?
Mas então por que você não... Tá feio, é? Você acha que eu deveria riscar um
fósforo antes de entrar? Não, tá louco! A última vez que eu fiz isso, quase
explodiu a casa. Aquela velha devia servir na artilharia antiaérea! Ops... Oi,
Clotilde, não vi você aí atrás! Não, claro que não estava falando da sua
família. Que ideia! Eu estava falando da bomba de Hiroxima! Que absurdo que foi
aquilo...
– Claro, já fomos apresentados. Você é o vizinho do
cunhado da Clotilde, certo? O do uísque! Como assim, acabou? Toda a garrafa?
Não, só tinha aquela. Tá, pode pedir! Se não tem pelo menos um chocolatinho?
Mas já vão servir a sobremesa! Como assim você não gosta de sorvete de morango?
Uhm... Não, sorvete de pistache também não tem!
De noite...
– Clotilde, que festa, hein? Deu trabalho mas valeu, não
acha? Agora fala a verdade pro maridão... Você achou que a carne ficou boa? É
mesmo? O pessoal falou bem? Jura? Yessss! Me conta... O que disseram exatamente?
Como assim elogiaram o gostinho de molho à vinagrete?
Jean Marcel-
Escritor, professor universitário, palestrante. É pai de dois
adolescentes. Um leitor voraz. Eclético, escreve contos, crônicas,
romances e infanto-juvenil. Possui o blog brisaliteraria.com
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Um comentário
Demais professor....PARABÉNSSS
Postar um comentário