– Eu estava vivendo em New Orleans , fazendo todo tipo de serviço para ganhar algum dinheiro de vez em quando. Conheci Sherwood Anderson. Costumávamos andar pela cidade durante a tarde, conversando com as pessoas. De noite nos encontrávamos de novo e nos sentávamos diante de uma garrafa ou duas, enquanto ele falava e eu ouvia. De manhã eu nunca o via. Ele ficava fechado, trabalhando. No dia seguinte, repetíamos tudo. Concluí que, se aquela era a vida de um escritor, tornar-me escritor era o que me convinha. Comecei então a escrever meu primeiro livro. Descobri imediatamente que escrever era divertido. Já tinha me esquecido que não via o sr. Anderson havia três semanas até que ele me entrou pela porta, era a primeira vez que vinha me ver, e disse: O que está havendo? Está zangado comigo?. Eu lhe disse que estava escrevendo um livro. Meu Deus!, exclamou, e saiu. Quando terminei – era Soldier’s Pay –, encontrei a sra. Anderson na rua. Ela me perguntou como ia o livro, e eu disse que o tinha terminado. Sherwood diz que fará um trato com você. Se ele não tiver que ler o manuscrito, dirá ao seu editor para aceitá-lo, disse ela. Eu respondi: Feito, e foi assim que me tornei escritor.
– (...) o melhor emprego que já me foi oferecido foi o de zelador de um bordel. Na minha opinião, é o ambiente perfeito para um artista trabalhar. Proporciona ampla liberdade econômica. Ele se vê livre do medo e da fome; tem um teto seguro e nada para fazer, exceto cuidar de umas poucas contas e ir uma vez por mês pagar à polícia local. O lugar é quieto de manhã, que é a melhor hora do dia para se trabalhar. Há bastante vida social à noite, se ele quiser participar, para impedi-lo de se aborrecer; isso lhe dá uma certa posição em sua sociedade. Não tem nada a fazer, já que a madame controla a contabilidade. Todos os moradores da casa são mulheres, e o respeitariam e o chamariam de “doutor”. Todos os contrabandistas de bebidas da região também o chamariam de “doutor”. E ele poderia tratar os policiais pelo primeiro nome.
De modo que o único ambiente de que o artista necessita é qualquer lugar onde possa obter paz, solidão e prazer a um preço não muito alto. Tudo o que o ambiente inadequado lhe proporcionará é pressão alta; ele passará mais tempo se sentindo frustrado ou ressentido. Minha própria experiência tem me mostrado que as únicas ferramentas de que preciso para o meu ofício são papel, tabaco, comida e um pouco de uísque.
– (...) os livros que leio são aqueles que conheci e amei quando era moço e aos quais volto como se volta aos velhos amigos: o Antigo Testamento, Dickens, Conrad, Cervantes – Dom Quixote. Leio-os todos os anos, como alguns leem a Bíblia. Flaubert, Balzac – ele criou um mundo intacto próprio, uma corrente sanguínea que flui através de vinte livros –, Dostoiévski, Tolstói, Shakespeare. Leio Melville ocasionalmente, e dos poetas Marlowe, Campion, Jonson, Herrick, Donne, Keats e Shelley. Ainda leio Housman. Já li esses livros tantas vezes que nem sempre começo na primeira página ou leio até o fim. Leio apenas uma cena, ou o tocante a uma personagem, assim como você se encontra e conversa com um amigo por alguns minutos.
– Um artista é uma criatura arrastada por demônios. Não sabe por que o escolheram e normalmente está ocupado demais para se perguntar isso. É totalmente amoral, pois irá roubar, mendigar, pedir emprestado ou furtar de quem quer que seja para ver o seu trabalho realizado.
– Os dois grandes homens do meu tempo eram [Thomas] Mann e [James] Joyce. Deveríamos nos aproximar do Ulisses, de Joyce, como o pregador batista analfabeto se aproxima do Antigo Testamento: com fé.
– Suponho que, enquanto as pessoas continuarem a ler romances, outras continuarão a escrevê-los, ou vice-versa; a menos, é claro, que as revistas ilustradas e as histórias em quadrinhos finalmente atrofiem a capacidade do homem de ler, e a literatura realmente estará em seu caminho de volta à escrita pictórica das cavernas de Neanderthal.
– Um escritor é alguém congenitamente incapaz de dizer a verdade. Por isso, o que ele escreve chama-se ficção.
– O sexo e a morte – a porta da frente e a porta de trás do mundo.
P.S: Algumas dessas citações estão em uma entrevista concedida a Jean Stein Vanden Heuvel, para a Paris Review, no inicio de 1956, em New York City.
Raul J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias como se fossem uvas”.
Todos os direitos autorais reservados ao autor.
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