DOIS FILMES E UMA PAIXÃO
Psicose (Psicho, Dir.
Alfred Hitchcock, 1970), um dos cem melhores filmes de todos os tempos,
modificou (para melhor) a linguagem cinematográfica. Inclusive porque
ultrapassa as contradições que existem entre a tradição e a invenção. A famosa
cena do chuveiro se tornou um ícone pop do mesmo nível da Mona Lisa, do relógio
derretendo de Salvador Dali ou da lata de sopa Campbell’s, pintada por Andy
Warhol.
No entanto, entre a
redação do roteiro, baseado no livro de Robert Bloch, e a filmagem muitos
obstáculos precisaram ser transpostos. O principal – como sempre acontece na
indústria cultural que se transformou o cinema – foi o financiamento. Nenhum
estúdio queria gastar dinheiro com aquele que, segundo Alma Reville, a esposa
de Hitchcock, era apenas um filme barato de terror. Sem alternativa, Alfred
hipotecou a própria casa para garantir as filmagens.
A história de como Psicose
se tornou um clássico está relatada no divertido Hitchcock (Dir. Sasha Gervasi,
2012), filme baseado no livro Alfred Hitchcock and the making of Psicho, de
Stephen Rebello.
A filmografia de Alfred
Hitchcock rompe com algumas normas clássicas. Em Psicose, enquanto maneja com
competência os fundamentos técnicos, aposta todas as fichas na estrutura
narrativa inovadora: a morte da personagem interpretada por Janet Leigh na
primeira parte da projeção, os assassinatos que ampliam o suspense, a angústia
que acompanha a trilha musical, o desfecho inesperado e pedagógico. Contra
todos os prognósticos, as peças se encaixam e formam um belíssimo filme.
Hirchcock é um exercício
de metalinguagem, um filme dentro de outro filme, as fagulhas deste ameaçando
incêndios naquele. Parte desse clima pirotécnico se deve às atuações de Anthony
Hopkins (Alfred Hitchcock) e Helen Mirren (Alma Reville). A dupla, em perfeita
sintonia, consegue transformar diálogos inteligentes, alfinetadas em grande
estilo, em uma aula de interpretação.
Enquanto retrata os
bastidores de Psicose, uma produção independente, de baixo orçamento, há o
esforço para conseguir um distribuidor e, não menos importante, driblar a
censura – o código Hayes impedia cenas de nudez e violência.
Em paralelo, parte de Hitchcock
está centrada na crise conjugal, nos problemas de saúde do diretor e nos
desentendimentos entre os atores que integram o elenco. Além disso, para
desespero de Alma Reville, Alfred tinha uma complicada fixação platônica por
louras (Vera Miles, Janet Leigh).
Entremeando o passado
inventado e o passado ocorrido, Hitchcock festeja o cinema como arte,
entretenimento e inteligência.
P.S.: Gus Van Sant dirigiu
um remake de Psicose em 1998. Não convenceu.
Raul J.M. Arruda Filho,
Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de
poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e
“Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a
proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias
como se fossem uvas”.
Todos os direitos autorais reservados ao autor.
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