Manoel de Barros, nosso poeta das novas palavras, manda notícias [Bosco Martins]
(Foto: Divulgação) |
Manoel de Barros vive em uma casa do centro de Campo Grande (MS) com a mulher, Stella. Aos 96 anos (já conta os 97) considera “um privilégio” ter chegado a esta altura, sem nunca precisar agradar ou bajular ninguém.
Por conta da idade, Poeta diminuiu muito a sua produção. A idade trouxe ainda outros dissabores, como uma maior dificuldade para andar e a lentidão para escrever, agora, segundo ele, já em ritmo “baticum gererê”.
O poeta faz poesia, a lápis (ou com uma bic), usando a mão esquerda possui alguns dedos “adormecidos”. Mantém sua letra miúda e justifica: “Não sei de máquina. E ignoro computador. Cheguei Antes”.
Manoel de Barros mantém a vivacidade de seus pequenos olhos pretos. O sorriso inesquecível do Poeta e a cordialidade mineira de Stella, sua mulher há mais de 60 anos, continuam os mesmos.
Degustamos o pão de queijo oferecido por Stella, acompanhado do seu saboroso cafezinho.
O Poeta mantém o hábito de antes do almoço tomar sua dose diária de destilado, com a única diferença de ter trocado as talagadas da pinga mineira por uísque com água de coco, orientação, segundo ele, de seu médico. O artista tem comido pouco. Gosta de ovo, arroz, carne, feijão, acompanhados sempre de fruta. Fazem parte de sua rotina sete netos, cinco bisnetos, duas funcionárias que se revezam, a fisioterapeuta domiciliar que ajuda na reabilitação do filho Pedro (que busca recuperar de um coma pós um AVC).
Martha, que mora no Rio, também vê sempre os pais, cercados que estão pela lembrança do outro filho, João, morto em acidente de avião em 2008.
O moço filho de fazendeiro, que estudou pintura e cinema em Nova York, é hoje o ancião que mais vende poesia no Brasil. Os livros dele também vendem bem na Europa, onde tem seguidores principalmente em Portugal. Por essas e outras é que o poeta fica cada vez mais fechado para o mundo. “Ele nasceu sem arrebentar a bolsa d água”, diz Stella, para explicar a estrela original do pantaneiro/cuiabano. E, é certo, ganhou “o dom” de Deus.
‘Tudo o que eu não invento é falso’, diz - Manoel de Barros: ‘há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira’.
Tudo o que Manoel de Barros não inventa, “é falso”. Quem leu o poeta, sabe. Foi no vento desse vôo “fora das asas” que ele já atravessou 96 verões, invernos, outonos e primaveras. Está a caminho dos 97 anos, que vai completar em 19 de Dezembro. O poeta nascido em 1916, à beira do rio Cuiabá, não faz planos. Nem está assombrado pela idéia da morte. Caminha pela via única da poesia, movido pelas novas palavras.
E o que é esta poesia tão poderosa? Pergunta-se ao poeta. Avesso a discursos, teorias, pompas, fotos, ele prefere se isolar a responder. Não vai dizer que não pensa nem pensar o que não diz.
Ele sabe que a resposta está no que se escreve. No caso dele, a obra é o homem. É maior que o homem.
A poesia faz o artista pairar acima da rotina prosaica. Mas é dessa rotina que Manoel de Barros extrai os sentimentos, as intuições e traduz o que os olhos não vêem. Leu muito Guimarães Rosa. Adora palavras novas. Sonoridades que saem de algum ouvido extra que Deus lhe deu. Uma audição conectada com canais insuspeitos,franqueados a poucos. Ele nunca pensou longamente em Antoine de Saint-Exupery, mas sabe. O essencial é invisível.
Quando contempla, intui. E um gênio lírico em forma de anjo e aura de luz, ilumina seus textos, feitos com toco de lápis ou caneta bic. “O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras. Fazer coisas desúteis”, diz ele. Todos morrerão, o poeta morrerá.
Mas a poesia, ah! Essa tem parte com Deus. Sobreviverá aos tempos, aos desenganos, às doenças, aos limites físicos, á impossibilidade humana.
(*) Bosco Martins escreveu para o jornal Correio Braziliense
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