Olhar Cético
por Carlos Orsi
Matéria publicada na Revista Galileu
É possível ver o 'paraíso'
através de um coma?
Autor de um dos livros
mais vendidos de não-ficção dos últimos tempos afirma ter visto o paraíso
enquanto esteve em coma - mas isso seria um fenômeno sobrenatural ou
alucinação?
O livro Uma Prova do Céu
(Sextante), do neurologista americano Eben Alexander III, está há algumas
semanas nas listas dos mais vendidos de não-ficção, aqui no Brasil, e tem feito
uma bela carreira de best-seller no exterior, também. Alexander tornou-se
figura fácil em talkshows e no circuito de palestras nos Estados Unidos.
No livro, o médico
descreve uma série de visões que teve durante um coma, num período em que seu
cérebro se encontrava tão debilitado por uma meningite que, diz o autor, não
seria sequer capaz de produzir alucinações. E, nesse estado, ele teria
enxergado o paraíso.
.O ponto sobre ser incapaz
de alucinar é importante: existe uma extensa literatura sobre as chamadas
experiências de quase morte (NDEs, na sigla em inglês), onde pessoas
inconscientes têm visões associadas à vida após a morte. Todos os estudos
científicos sérios a respeito apontam para alucinação, provocada pelo
funcionamento anormal do cérebro, como causa das imagens.
Um bom livro que trata,
entre outros temas, do assunto das NDEs é A Mente Assombrada (Cia das Letras),
do neurocientista Oliver Sacks. Que não está na lista dos best-sellers, aliás,
mas deveria.
O argumento de Uma Prova
do Céu é: se o cérebro de Alexander não estava funcionando, ele não estava alucinando.
E Alexander é um neurologista, logo deve entender desse negócio de cérebro.
Portanto, a visão que obteve foi algo sobrenatural, talvez até – como o título
diz – prova de que um paraíso nos aguarda após a morte. Certo?
Na verdade, não. Como
outro neurocientista, Steve Novella, nota em uma crítica às alegações de
Alexander, mesmo que o córtex cerebral do autor tenha “desligado” em certo
período, alucinações poderiam ter acontecido, e sido gravadas na memória,
durante o processo de “desativação” ou durante a “reativação” dos neurônios:
não dá para saber exatamente quando as imagens brotaram em sua mente, afinal.
Há, ainda, outros
problemas. Até onde sei, nenhum jornal ou revista, aqui no Brasil, traduziu o
explosivo perfil de Eben Alexander III publicado pela revista Esquire. O
repórter Luke Dittrich não só levanta o histórico da atuação profissional dele
– que respondeu a cinco processos por erro médico em dez anos, um recorde no
Estado norte-americano onde atuava, a Virginia – como entrevista a médica que
cuidou do autor durante seu coma, Laura Potter. Ela discutiu o caso com o
repórter depois de autorizada pelo paciente.
A médica disse que o coma
de Eben Alexander III foi induzido por sedativos, não causado diretamente pela
meningite. De acordo com ela, quando os sedativos eram retirados, Alexander
recuperava a consciência. “Eles estava consciente, mas delirando”, afirmou.
No livro, Alexander também
dá um significado especial às mudanças no tempo durante seu coma: de acordo com
ele, nos dias em que esteve internado, choveu sem parar. Mas, no dia em que
acordou, a chuva parou de repente, e um arco-íris apareceu no céu.
Dittrich falou com um
meteorologista a respeito. Seria possível que houvesse um arco-íris visível no
lugar e no dia em que o dono da “prova do céu” acordou? Resposta: “Não”.
* Ilustração: A Ascenção
do Bendito, de Hyeronimus Bosch
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