Retornar e Reencontrar(-se)
Potevo
spiegare a qualcuno che quel che cercavo era soltanto di vedere qualcosa che
avevo già visto? (…) Per me, delle stagioni eran passate, non degli anni. Più
le cose e i discorsi che mi toccavano eran gli stessi di una volta, (…) più me
facevano piacere.
(Cesare
Pavese, “La luna e i falò”)
Era como se nós nunca tivéssemos ido embora.
Aqueles
anos, que aqui desfiavam suas estações infindáveis, como que se condensaram num
instante. Como um parêntese, que não eliminava a continuidade da experiência.
Uma breve pausa, e não uma ruptura.
Era
como se tivéssemos estado sempre lá. E a sensação de perda, de que algo
precioso tinha sido subtraído para sempre, deu lugar a algo diferente.
Quando
foi exatamente que a mágica aconteceu? Não quando o avião tocou a pista, nem
quando chegamos com o carro alugado e começamos a reconhecer cada esquina. Aí a
sensação ainda era outra. A emoção por estar de volta.
Mas
a sensação poderosa e surpreendente de que todos aqueles anos tinham se
contraído numa pequena fração de tempo começou num momento preciso: quando
descemos do carro com as malas e inalamos o ar da cidade. Aquele cheiro que não
era especialmente bom ou ruim, mas que era o cheiro que a vida tinha lá. Nunca
tinha prestado atenção naquele odor das ruas. Mas era ele que agora fisgava
nossas almas a um só tempo, inconfundível. Nossa particular madeleine.
Era
como se os nossos pés não tivessem deixado de pisar aquelas calçadas, nem
nossos olhos se apartado das paredes de pedra amarela, as fachadas antigas, os
cafés elegantes, as livrarias de rua, o comércio pulsante.
Essa
sensação trouxe um conforto muito grande, um apaziguamento absoluto, como uma
espécie de embriaguez que durou por dias. Não queríamos que passasse.
Era
como se a cidade nos dissesse: ainda é tempo. Sempre é tempo de retornar.
Agradeço
por ela quase não ter mudado. Por nos permitir reencontrar lugares, fachadas,
letreiros, ambientes. O jardim público igual em beleza e cuidado. O Caffè
Raphael, extensão da nossa casa, com a dupla imbatível cornetto alla crema e
cappuccino. A Palmieri, livraria caótica e de excelente acervo, onde
dispendíamos horas explorando as pilhas de livros e negociávamos dolorosamente
com nossos bolsos. A Locanda Rivoli, sempre aberta para saciar a fome depois
das aulas, com seus antepastos e massas a preço justo. Eu só queria que tudo
continuasse
na sua forma e lugar devidos, num sentimento absurdo de posse: a cidade não nos
traiu, nos esperou imutada.
Retornando,
reencontramos e reconhecemos. Mas fundamentalmente, para além do reencontro com
exteriores afetivos, reencontramos algo de nós mesmos. Reconhecemos uma faísca
que julgávamos perdida. Uma paixão pelas coisas. Um olhar amplo e otimista para
o mundo. Uma crença na potência da vida e na potência dos nossos sonhos.
Ao
retornar, reencontramos nossos antigos anseios, desejos, ambições e projetos
para o futuro. Voltamos a uma época onde tudo parecia possível; nosso
potencial, ilimitado. Faríamos grandes coisas, conquistaríamos o que nossas
almas ditassem. Sabíamos quem éramos e o que queríamos da vida, e nos
realizaríamos plenamente. Não tínhamos dúvida.
Estar
de volta era sentir mais uma vez que tudo era possível. Que ainda era tempo.
Que valia a pena resgatar nossos sonhos. Mesmo que os últimos anos tivessem nos
comprimido contra a parede da dura realidade. Uma doce sensação.
Como
era possível que a vida na nossa terra natal nos tivesse estreitado os
horizontes, sugado nossa energia vital, ofuscado a crença na possibilidade de
ser o que éramos ou o que desejávamos ser? De repente nos sentíamos apenas
parte de um sistema, peças de uma engrenagem. Engolidos por uma rotina
massacrante, numa ilógica e permanente corrida para sobreviver, vencer, ter. O
sentimento de estar eternamente em dívida, sem nunca dar conta, nunca fazer o
bastante, nunca ter o bastante, nunca ser bom o bastante.
Para
onde diabos fora a confiança em quem éramos e no que queríamos, o sentimento de
liberdade para regermos a vida do nosso jeito?
De
repente nos sentíamos estrangeiros em nossa própria casa. E o sentido das
nossas vidas parecia ter fincado bandeira do outro lado do Atlântico. Aquele
recente apanhado de memórias, da vida que ali vivemos um dia, ganhava um peso
decisivo, um valor definitivo, impondo sua soberania sobre as nossas raízes.
Estar de volta, longe de casa, era agora estar mais em casa do que nunca. A
sensação de pertencimento se fragmentava, quase se deslocava. Sentíamos que
esse fascinante pedaço de terra no mediterrâneo nos pertencia, e assim a ele
também nossa alma, a partir de uma intensa afinidade espiritual, intelectual,
emotiva.
Estávamos
de volta, mas não iria durar. Nos permitíamos a doce vertigem, mas a sabíamos
efêmera. Logo teríamos que fazer as contas com a nossa terra. Cavar fundo e
reencontrar, aqui também, algo valioso, nossas raízes mais profundas e
autênticas. Reavivar o lugar que é delas de direito, nesse arabesco em que nos
transformamos, para encará-las não como um impedimento, mas como algo que de
algum modo nos decifra. Lutar contra o retorno de velhos receios, rótulos,
pequenezas. Romper o contrato de adesão com o sistema que aprisiona, na
tentativa de conciliar as adaptações e concessões da “vida real” por aqui com o
resgate dos nossos sonhos e projetos de vida. Só assim, desse lado do
Atlântico, poderíamos nos sentir livres para sermos nós mesmos, ou nos
expandirmos em múltiplas e ousadas direções. Reconstruir, aqui também, nossa
casa e nosso ser.
Letícia Möller nasceu em Porto Alegre,
em 1979. É autora dos livros infantis “Eu e você, aqui e lá!” (2010) e “Corre,
Pedro, corre!” (2011), ambos pela WS Editor, além de livros e ensaios sobre
direito e bioética. Também é advogada atuante, graduada em Direito pela PUCRS,
mestre em Direito pela Unisinos e Doutora pela Università degli Studi del
Salento, em Lecce/Itália. Sites: leticiamoller@yahoo.com.br - www.efemerasletras.blogspot.com
- www.loveolivro.blogspot.com
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