Encontro em São Paulo reúne grupos de teatro
comunitário da América Latina
Daniel Mello
Agência Brasil
São Paulo - Espetáculos de artistas das periferias de
11 países latino-americanos estão em cartaz até domingo (15) no 5º Encontro
Comunitário de Teatro Jovem, na Cidade Tiradentes, extremo leste da capital de
São Paulo. A mostra é resultado da articulação da Rede Latino-americana de
Teatro em Comunidade, coordenada pelo grupo Pombas Urbanas. A companhia foi
fundada em 1989 e, desde 2004, atua no bairro – um dos mais populosos da
periferia paulistana.
“Os espetáculos do grupo Pombas Urbanas, e de todos os
grupos que estão aqui, acabam refletindo o local onde a gente está instalado. A
partir daqui que a gente coloca todos os sonhos, as ideias, o imaginário dessa
comunidade dentro da dramaturgia, da forma de se criar os espetáculos”, explica
Marcelo Palmares, um dos organizadores.
O lema do Pombas Urbanas é fazer teatro “com, para e na
comunidade”, destaca Palmares. “É feita uma série de exercícios, de propostas,
para escutar o que o jovem, o que a própria comunidade nos traz de relatos,
para que isso fundamente a dramaturgia e o fazer teatral daqui”, completa ao
descrever o trabalho que tem entre os focos o resgate da autoestima dos jovens.
“Eles têm a autoestima muito baixa, até por ser um bairro muito reconhecido
pela violência.”
Com o trabalho de formação, os jovens da Cidade
Tiradentes passam a ter uma nova visão sobre o lugar onde vivem e sua
realidade. “Meu sonho era crescer, ser advogado, ganhar dinheiro e sair do
bairro. Eu pensava: quando eu tiver meus filhos eu não quero que eles fiquem
aqui, porque eu acho que esse bairro não dá futuro para ninguém”, conta o
arte-educador Paulo Wesley dos Santos, que foi apresentado ao circo aos 12
anos. “Hoje eu não troco aqui por nada”, garante o rapaz de 19 anos. “Meus
planos são: família, circo e Cidade Tiradentes”, resume.
Grupos com experiências semelhantes passaram a se
encontrar em 2005 para fazer o intercâmbio de experiências e ideias. Mas só em
2009 foi possível estruturar a rede. Desde então são feitos encontros
periódicos. Além de apresentar espetáculos, as companhias promovem oficinas e
palestras, como as que ocorrem na sede do Pombas Urbanas ao longo da semana.
Este ano, o encontro homenageia o grupo peruano
Vichama, que há 30 anos atua na Vila El Salvador, na periferia de Lima. Segundo
o diretor da companhia, Cezar Escuza, um dos focos das ações educativas e
artísticas é tentar construir uma cultura de paz no bairro. “Há situações e
momentos bastante violentos em nossa comunidade e nós queremos desenvolver toda
uma cultura preventiva nessa direção. Não nos interessa somente uma prática
reativa em relação à violência. Queremos que a cultura e a arte tenham um papel
transformador nessa direção”, destacou.
Uma discussão de valores que os grupos tentam fazer a
partir dos elementos presentes nas próprias comunidades, como na peça Tudo Está
Organizado para que Nada Aconteça, que percorreu a Avenida dos Metalúrgicos na
noite de terça-feira (10/09). Durante a apresentação, por várias vezes, as falas
dos personagens conviveram com o funk que tocava nos carros que trafegavam pela
via. Uma marca das periferias de São Paulo, da Cidade Tiradentes, zona leste, e
do Grajaú, zona sul, bairro de origem da Companhia Humbalada de Teatro, que
fazia a apresentação. Até que em um determinado momento, o funk também apareceu
como parte da peça.
“Moramos em um bairro onde as pessoas escutam funk o
dia e a semana inteira. E a gente se pergunta muito: Por que o funk? O que o
funk significa? Tem toda uma questão da cultura de massa. Mas tem uma questão
de pertencimento, de uma música periférica”, explica a atriz Tatiana Monte
sobre essa parte do espetáculo que ocorre em frente a um supermercado e questiona
o consumo desenfreado.
O modelo da peça surpreendeu Jéssica Azevedo, de 22
anos, moradora do Tatuapé, também na zona leste, que frequenta o espaço do
Pombas Urbanas desde o ano passado. “Eu já tinha visto outras peças
itinerantes, mas à luz do dia. Nunca tinha visto à noite. Isso me deixou bem
curiosa”, disse. “A gente não percebe o tempo, não percebe as pessoas, acaba
ficando tudo muito invisível. Acho que o questionamento da peça é esse”,
comentou.
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