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Escritor Ruy Castro
Foto: Divulgação / Foz Editora
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Intelectuais
divulgam manifesto contra censura às biografias
Um coletivo de 50 escritores, jornalistas e membros da
Academia Brasileira de Letras (ABL) assinou um manifesto contra a censura às
biografias não autorizadas. Publicado na quarta-feira em Zero Hora, o texto
já havia sido lido pelo autor Ruy Castro durante a Bienal do Livro, no Rio de Janeiro.
No texto, os intelectuais fazem uma crítica à
necessidade de obter uma autorização do biografado para que a obra possa ser
comercializada.
— No Brasil, tal forma de manifestação encontra-se em
risco em virtude da proliferação da censura privada que é a proibição das
biografias não autorizadas — afirmam.
Para nomes como Zuenir Ventura, Ferreira Gullar, Luis
Fernando Verissimo e Milton Hatoum, essa obrigação fere a liberdade artística e
intelectual, garantias consagradas na Constituição. Além da menor circulação de
obras literárias, eles destacam que também há perda na "memória coletiva
do País".
— A biografia não é só a história de uma pessoa, mas
também de uma época.
Confira a íntegra do texto:
Manifesto dos intelectuais brasileiros contra a censura
às biografias
Desde o século XIX, a Biografia teve papel importante
na construção da nossa ideia de Nação, imortalizando personagens e ajudando a
consolidar um patrimônio de símbolos e tradições nacionais.
Mais recentemente, na segunda metade do século XX, a
Biografia ganhou outra dimensão: além de relatar os feitos dos grandes nomes,
transformou o pno Brasil tal forma de manifestação encontra-se em risco em
virtude da proliferação da censura privada que é a proibição das biografias não
autorizadasersonagem em testemunha de sua época. A Biografia moderna não é só a
história de uma pessoa, mas também de uma época, vista através da vida daquela
pessoa.
No Brasil, tal forma de manifestação encontra-se em
risco, em virtude da proliferação da censura privada, que é a proibição das
biografias não autorizadas.
A ninguém é dado impedir a livre expressão intelectual
ou artística de outro, garantia consagrada na Constituição democrática de 1988,
que baniu definitivamente a censura entre nós. Por isso, não faz sentido
exigir-se o consentimento prévio da personalidade pública cuja trajetória um
autor ou historiador pretende relatar (e, menos ainda, exigir-se a autorização
de seus familiares, quando já falecido o biografado), como condição para a
publicação de Biografias.
É apropriado que a lei proteja o direito à privacidade.
Mas este direito deve ser complementado pela proteção do acesso às informações
de relevância para a coletividade, na forma de tratamento distinto nos casos de
figuras de dimensão pública, os chamados protagonistas da História: chefes de
Estado e lideranças políticas, grandes nomes das artes, da ciência e dos
esportes.
O Brasil é a única grande democracia na qual a
publicação de Biografias de personalidades públicas depende de prévia
autorização do biografado. Um país que só permite a circulação de biografias
autorizadas reduz a sua historiografia à versão dos protagonistas da vida
política, econômica, social e artística. Uma espécie de monopólio da História,
típico de regimes totalitários.
Este erro produz efeito devastador sobre a atividade
editorial. A necessidade do consentimento prévio das pessoas retratadas nas
obras cria um balcão de negócios de valores vultosos, em que informações sobre
a nossa História são vendidas como mercadorias.
Há um efeito ainda mais grave no que tange à construção
da memória coletiva do país. O conhecimento da História é um direito da
cidadania, independentemente de censura ou licença, do Estado ou dos personagens
envolvidos. O ordenamento jurídico deve assegurar pluralidade, cabendo à
sociedade e ao cidadão formarem livremente sua convicção.
É pertinente lembrar que a dispensa do consentimento
prévio do biografado não confere ao autor imunidade sobre as consequências do
que escrever. Em casos de abuso de direito e de uso de informação falsa e
ofensiva à honra, a lei já contém os mecanismos inibidores e as punições
adequadas à proteção dos direitos da personalidade.
Hoje, quando a sociedade clama pela ética e pela plena
liberdade de expressão, está mais do que na hora de eliminar este entulho
autoritário e permitir novamente que os brasileiros possam ter acesso à sua
própria História.
Assim, os intelectuais brasileiros apoiam as
iniciativas legislativas e judiciais voltadas à correção dessa anomalia do
ordenamento jurídico brasileiro, de maneira a permitir a publicação e a
veiculação de obras biográficas sobre os protagonistas da nossa História,
independentemente da autorização dos personagens nelas retratados.
Assinam:
Afonso Arinos de Mello Franco
Alberto Costa e Silva
Alberto Venâncio Filho
Alexei Bueno
Ana Maria Machado
André Amado
Antônio Carlos Secchin
Antonio Torres
Arnaldo Niskier
Boris Fausto
Candido Mendes de Almeida
Carlos Heitor Cony
Carlos Nejar
Celso Lafer
Cícero Sandroni
Cleonice Berardinelli
Cristovão Tezza
Domício Proença Filho
Eduardo Portella
Evanildo Bechara
Fernando Morais
Ferreira Gullar
Geraldo Holanda Cavalcanti
Ivan Junqueira
João Máximo
João Ubaldo Ribeiro
Jorge Caldeira
José Murilo de Carvalho
Lira Neto
Luis Fernando Veríssimo
Manolo Florentino
Marco Lucchesi
Marcos Vilaça
Mário Magalhães
Mary del Priore
Merval Pereira
Milton Hatoum
Murilo Melo Filho
Nélida Piñon
Nelson Pereira dos Santos
Roberto da Matta
Roberto Pompeu Toledo
Rosiska Darcy de Oliveira
Ruy Castro
Sergio Rouanet
Silviano Santiago
Ziraldo
Zuenir Ventura
Entenda mais:
Em abril, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da
Câmara dos Deputados havia aprovado um Projeto de Lei (PL) que permitia a
publicação e divulgação de filmes e livros biográficos sem a necessidade de
aprovação da pessoa biografada ou de sua família.
O PL 393/11 foi proposto pelo deputado Newton Lima
(PT–SP) e permite a divulgação de informações sobre "pessoa cuja
trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja
inserida em acontecimentos de interesse da coletividade". O texto seria
votado em plenário, mas um recurso impossibilitou que a votação prosseguisse.
Recentemente, o livro Roberto Carlos em Detalhes,
lançado em 2006 por Paulo Cesar Araújo, foi alvo de um processo movido pelo
cantor. A ação judicial alegava invasão de privacidade. A decisão da Justiça
determinou o recolhimento dos 11 mil exemplares que estavam à venda. Editora,
jornalista e cantor entraram em um acordo e o livro não foi mais publicado,
fazendo com que Roberto Carlos abrisse mão da indenização.
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